UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL E ARQUITECTURA Mestrado Integrado em Arquitectura NOS PALCOS DA ARQUITECTURA Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura Mariana do Nascimento Moleiro Junho de 2009 Nos Palcos da Arquitectura 2 NOS PALCOS DA ARQUITECTURA Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura Sob orientação do Professor Doutor Luís Miguel Moreira Pinto Mariana do Nascimento Moleiro Junho de 2009 Nos Palcos da Arquitectura 3 Índice Índice de Imagens .................................................................................................... 4 Agradecimentos ....................................................................................................... 6 Conceitos Chave ...................................................................................................... 7 Resumo .................................................................................................................... 7 Descrição Geral ....................................................................................................... 8 Introdução................................................................................................................ 9 1. Elementos Definidores de Arquitectura e Cenografia ..........................................12 1.1 Arquitectura Versus Cenografia ....................................................................13 1.2 Luz ................................................................................................................19 1.3 Cor ................................................................................................................26 1.4 Materiais .......................................................................................................32 1.5 Linha .............................................................................................................34 1.6 Espaço – volume, superfície e escala .............................................................36 1.7 Perspectiva e Realidade Virtual .....................................................................38 2. Arquitectura como Cenografia ............................................................................42 2.1 Judiaria de Santarém .....................................................................................43 2.2 Complexo de Mafra .......................................................................................51 2.3 Habitar Torres Vedras Es(paço) Real .............................................................66 3. Cenografia como Arquitectura ............................................................................71 3.1 West Side Story .............................................................................................72 Conclusão ...............................................................................................................81 Bibliografia .............................................................................................................85 Nos Palcos da Arquitectura 4 Índice de Imagens Perspectiva e Realidade Virtual Imagem 1: Perspectiva linear realizada por Brunelleschi da nave Central da Igreja de San Lorenzo .……………………………………………………………………..…38 Imagem 2: Exemplo de Perspectiva realizada com auxilio do computador……...…40 Judiaria de Santarém Imagem 3: Vista geral da Avenida 5 de Outubro………………………………...…43 Imagem 4: Avenida 5 de Outubro, década de 20…………………………………....44 Imagem 5: Uma das grandes habitações Burguesas no inicio da Avenida 5 de Outubro……………………………………………………………………………...45 Imagem 6: Habitações populares na zona da antiga Judiaria……………………….46 Imagem 7: Habitação burguesa com jardim………………………………………...46 Imagem 8: Degradação de uma das ruas da Judiaria……………………………......47 Imagem 9 e 10: Escadaria de ligação entre a Avenida 5 de Outubro (numa cota superior) e a Judiaria………………………………………………………………...48 Imagem 11: Rua na antiga Judiaria………………………………………………….49 Imagem 12: Jardim e palacete burguês……………………………………………...49 Imagem 13 e 14: Pormenores de palacetes………………………………………….50 Imagem 15: Travessa estreita de acesso à Judiaria………………………………….50 Complexo de Mafra Imagem 16: Fachada principal do palácio com a basílica ao centro………………...51 Imagem 17: Pormenor da fachada principal………………………………………...52 Imagem 18: Jardim no interior do palácio……………………………………..……54 Imagem 19 e 20: Fachada da basílica e pormenor da cúpula……………………….55 Imagem 21: Vista da basílica a partir da sala do palácio……………………………56 Imagem 22: Pormenor do carrilhão…………………………………………………57 Imagem 23: Vista do interior da Basílica (à direita são visíveis as obras de recuperação dos órgãos)……………………………………………………………..57 Imagem 24: Cúpula e lanternim (tapado com madeira)……………………………..58 Imagem 25: Um dos órgãos de tubos………………………………………………..58 Imagem 26: Sala do Capítulo………………………………………………………..59 Imagem 27: Sala do Capítulo, varanda do rei……………………………………….60 Nos Palcos da Arquitectura 5 Imagem 28: Refeitório do Convento………………………………………………...60 Imagem 29: Cozinha do Convento (utilizada actualmente pela EPI)……………….61 Imagem 30: Biblioteca………………………………………………………………61 Imagem 31: Biblioteca………………………………………………………………62 Imagem 32: Sala de troféus………………………………………………………….62 Imagem 33 e 34: Sala do trono……………………………………………………...63 Imagem 35: Sala da Bênção…………………………………………………………64 Imagem 36: Vista do terraço (ao centro encontra-se a biblioteca)………………….65 Habitar Torres Vedras Es(paço) Real Imagem 37: Átrio de entrada………………………………………………………..67 Imagem 38: Corredor………………………………………………………………..67 Imagem 39: Elemento Escultórico…………………………………………………..69 Imagem 40: Elemento Escultórico…………………………………………………..69 Imagem 41: Elemento Escultórico visto do exterior………………………………..69 West Side Story Imagem 42: Cena de West Side Story………………………………………………72 Imagem 43: Pormenor do cenário…………………………………………………...72 Imagem 44: Cena de West Side Story………………………………………………73 Imagem 45: Cena de West Side Story………………………………………………74 Imagem 46: Cena de West Side Story,- ginásio com a cidade ao fundo……………75 Imagem 47: Cena de West Side Story,- loja de costura…………………………….75 Imagem 48: Cenário da loja de costura……………………………………………..76 Imagem 49: Cenário ponte da ponte de Broklyn e da cidade……………………….76 Imagem 50: Traseiras das fachadas dos prédios…………………………………….77 Imagem 51: Cena de West Side Story- fachadas dos prédios……………………….77 Imagem 52: Pormenor da fachada…………………………………………………..78 Imagem 53: Cena de West Side Story………………………………………………78 Imagem 54: Cena de West Side Story………………………………………………78 Imagem 55: Cena de West Side Story………………………………………………80 Conclusão Imagem 56: Margritte, “Ceci n´est pás une pipe”…………………………………...82 Nos Palcos da Arquitectura 6 Agradecimentos Em primeiro lugar, um grande obrigado ao meu pai e à minha mãe por todo o apoio e ajuda que me prestaram ao longo da elaboração desta dissertação que também é deles. Pelo seu apoio e conselhos perspicazes, agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Miguel Moreira Pinto. Pela sua disponibilidade, agradeço também à Dra. Celsa Gil, à Doutora Fernanda Santos do Palácio de Mafra, à Professora Doutora Cláudia Beato e à Professora Doutora Ana Virtudes. E, por fim, obrigado aos amigos que pacientemente me escutaram e apoiaram em todos os momentos. Nos Palcos da Arquitectura 7 Conceitos Chave Arquitectura, Cenografia, Aparência, Sensação, Finalidade Key words Architecture, Scenario, Appearance, Sensation, Purpose Resumo Nesta tese pretendem-se explorar os conceitos de Arquitectura e de Cenografia com o objectivo de se concluir que se a Arquitectura pode ser vista como Cenografia e que também a Cenografia pode ser considerada Arquitectura. Abstract This thesis aims to explore the concepts of Architecture and Scenography in order to conclude that Architecture can be seen as Scenography and Scenography can also be considered Architecture. Nos Palcos da Arquitectura 8 Descrição Geral A Arquitectura e a Cenografia são duas disciplinas que, embora distintas, partilham diversos conceitos chave e têm como um dos seus principais objectivos produzir determinadas sensações no espectador que as contempla. Mas, o que é a Arquitectura? E o que é a Cenografia? A estas questões complexas é dedicado um primeiro capítulo onde se distingue uma e outra disciplina, fazendo ainda referência a alguns pontos comuns a ambas com o objectivo de entender melhor os exemplos práticos dos capítulos posteriores. Abordam-se então os conceitos de Luz, Cor, Materiais, Linha, Escala, Volume, Superfície e ainda Realidade Virtual que apresentam semelhanças na sua aplicação tanto em Arquitectura como em Cenografia. Segue-se um segundo capítulo em que são dados exemplos onde se constata a vertente cenográfica de um espaço arquitectónico e, por fim, um terceiro capítulo onde é dado um exemplo em que os cenários podem ser vistos como Arquitectura. Essencialmente vamos distinguir estas duas disciplinas e justificar o que é uma e outra e como se interligam, por vezes, enveredando por questões que nem sempre têm uma resposta objectiva. Nos Palcos da Arquitectura 9 Introdução A decisão de explorar os temas da arquitectura e da cenografia surgiu de um interesse pessoal em descodificar os conceitos chave que aparecem muitas vezes disfarçados nas mais diversas criações. A Cenografia, como elemento essencial de todo um espectáculo teatral, ilusório, está inevitavelmente ligada à arquitectura. Mas o que poderá ser considerado Arquitectura? E o que poderá ser Cenografia? O conceito de disfarce ou aparência, está patente nestas duas disciplinas que pretendemos explorar e interligar através dos diversos pontos que as unem e que, ao mesmo tempo, as dissociam, recorrendo a exemplos concretos onde se aplicam estas ideias. É importante salientar, desde já, que a minha formação ao longo destes cinco anos foi direccionada ao estudo da Arquitectura e, por isso mesmo, esta tese incide de forma mais aprofundada no estudo da Arquitectura como cenário ao invés de privilegiar o estudo da Cenografia de espectáculo em si. Poder-se-ia à partida pensar que Cenografia e Arquitectura são uma só disciplina mas, de facto, elas apenas recorrem aos mesmos princípios ou conceitos na sua origem, ainda assim, a questão é complexa e, num primeiro capítulo, torna-se essencial que esta tese distinga entre os conceitos de Arquitectura e Cenografia. Verifica-se desde logo que não podemos definir objectivamente o que são estas duas disciplinas. Existem múltiplas definições e, sobretudo, múltiplas interpretações. Depende particularmente da sensibilidade de cada um para que certas intervenções possam ser consideradas Arquitectura ou Cenografia. Antevê-se então, à partida, que ao estudar as várias possibilidades de relacionar as duas disciplinas uma conclusão poderá ser um pouco precipitada tendo em conta a complexidade dos temas. Ainda neste capítulo são explorados os conceitos comuns às duas disciplinas (que se relacionam constantemente) e que, ao mesmo tempo, lhes dão origem. São inúmeros os pontos essenciais que poderiam ser estudados, por isso, para a elaboração desta tese, focámo-nos em conceitos gerais, e imediatamente reconhecíveis por qualquer pessoa, quer esta esteja na posição de mero espectador ou viva o próprio espaço. Estes conceitos têm como objectivo esclarecer os vocábulos que serão utilizados nos capítulos posteriores, sendo ainda as questões que aparecem estudadas mais vezes, e que consideramos mais pertinentes para a elaboração deste estudo. Nos Palcos da Arquitectura 10 A Luz é a questão que surge tratada em primeiro lugar pois determina a nossa percepção da Arquitectura e da Cenografia. Permite-nos apreciar as diversas qualidades dos espaços: tamanho, forma, textura e cor. Para um completo estudo da luz é ainda fulcral abordar o conceito de sombra e a sua influência no espaço, assim como uma pequena abordagem sobre materiais transparentes e translúcidos. Segue-se um estudo relativo ao conceito de Cor e a sua aplicação na Arquitectura e na Cenografia. Em ambas as disciplinas, a cor é um elemento fundamental para a caracterização do espaço não passando despercebida e apresentando, por norma, um significado para o espectador ou utilizador do lugar. É precisamente esta a questão que surge ligada de forma mais directa à psicologia. Por isso, são tratados os significados de cada cor e quais as suas influências no mundo que nos rodeia. Os Materiais, como elemento definidor do espaço, é igualmente uma importante questão que surge tratada seguidamente. Tanto a Arquitectura como a Cenografia recorrem às capacidades dos mais diversos materiais como forma de exprimir sensações e definir o tipo de espaço em questão. É ainda graças ao seu uso que a Arquitectura e a Cenografia adquirem a sua materialização, passando da fase do desenho ou projecto ao mundo concreto e material. De entre os variados conceitos que relacionam e originam a Arquitectura e a Cenografia é ainda importante destacar a Linha, como um importante elemento de estudo no desenho e representação, mencionando ainda as suas características e capacidades essenciais. Segue-se uma noção de Espaço. É no espaço, no seu preenchimento através de volumes que tanto a Arquitectura como a Cenografia trabalham. Aliado a este conceito surge ainda o de superfície como elemento base para a criação de volume, e o de escala relacionado com o tamanho dos objectos no espaço. Num segundo capítulo são dados exemplos em que a Arquitectura é sinónimo de Cenografia. A questão crucial nesta análise é constatar a existência de elementos que destacam certas obras arquitectónicas pela sua espectacularidade criando uma imagem que poderá iludir o espectador, dando-lhe a conhecer uma realidade cenográfica que poderá ser um pouco distante da vida real. Em primeiro lugar, explora-se a zona da Judiaria de Santarém, caso incontestável onde pequenas habitações previamente existentes foram escondidas pela construção de grandes palácios burgueses. Nos Palcos da Arquitectura 11 Segue-se um exemplo do período da história cenográfico por excelência: o Barroco. Esta análise diz respeito ao complexo de Mafra que constitui o expoente máximo deste período em Portugal. Para finalizar o capítulo, é feita uma abordagem a um caso particular de Arquitectura: uma exposição onde foram feitas algumas modificações ao nível do espaço interior de uma habitação conferindo-lhe um carácter cenográfico cujo contexto se diferencia dos restantes exemplos. No último capítulo procede-se ao estudo do cenário de espectáculo, neste caso específico escolheu-se um musical, onde a riqueza em termos cenográficos permite tirar algumas conclusões sobre as suas semelhanças entre Cenografia e Arquitectura. A questão essencial será constatar as parecenças e desigualdades entre Cenografia e Arquitectura e, por isso, os exemplos escolhidos não se ligam entre si. Funcionam antes como exemplos individuais que considerámos importantes para a elaboração desta dissertação e cujas características mais nos fascinaram. Nos Palcos da Arquitectura 12 1. Elementos Definidores de Arquitectura e Cenografia Nos Palcos da Arquitectura 13 1.1 Arquitectura Versus Cenografia Ao procurar saber quais as diferenças e semelhanças entre Arquitectura e Cenografia destacam-se imediatamente as questões essenciais “o que é a Arquitectura?” e “o que é a Cenografia?”. Sobre a Arquitectura são muitos os autores e publicações que abordam a questão. Umas de forma mais abrangente e outras referindo-se ao seu sentido mais especifico. "What is architecture anyway? Is it the vast collection of the various buildings which have been built to please the varying taste of the various lords of mankind? I think not.” 1 "No, I know that architecture is life; or at least it is life itself taking form and therefore it is the truest record of life as it was lived in the world yesterday, as it is lived today or ever will be lived. So architecture I know to be a Great Spirit....” 2 Poderemos também ligar a Arquitectura à forma de humanização do espaço, ou seja, é uma maneira de transformar o espaço que nos rodeia, tornando-o mais agradável de acordo com os nossos valores e necessidades. “A Arquitectura preenche o desejo de nos sentirmos em harmonia com um lugar” Numa primeira abordagem poderemos definir Arquitectura como a técnica de projectar e construir edifícios, sendo esta uma perspectiva restrita. A Arquitectura seria considerada a ciência da construção (ou seria antes a arte da construção?...) concretizada através do desenho de edifícios e estruturas habitáveis, tratando questões como a organização dos espaços e os seus elementos constituintes. Em resumo, esta abordagem trata os conjuntos urbanos e o ordenamento do território. Mas e o que dizer de todos os outros tipos construções que não se enquadram nesta teoria? A Arquitectura de interiores, as pontes, as construções efémeras ou simplesmente, estátuas e monumentos…Não serão elas dignas da denominação de Arquitectura? 3 1 WRIGHT, Frank Lloyd, In the Realm of Ideas, Southern Illinois University Press, Springfield, 1998, ISBN: 0-7607-1076-7. 2 Idem, ibidem. 3 RODRIGUES, Maria João, O que é Arquitectura, Quimera, , Lisboa, 2002, ISBN: 972-589-074-4. . Nos Palcos da Arquitectura 14 A humanização do espaço está, no entanto, ligada à vertente social da Arquitectura. O ser humano vive em sociedade, em conjunto, e por isso a Arquitectura “materializa as aspirações do grupo” 4 4 RODRIGUES, Maria João, O que é Arquitectura, Quimera, , Lisboa, 2002, ISBN: 972-589-074-4. . Assim sendo, privilegia-se a vertente física da Arquitectura. A materialidade da Arquitectura enquanto corpo, enquanto objecto produzido. Existe portanto uma tendência natural para conferir uma maior importância a esta definição projectando para segundo plano a Arquitectura enquanto disciplina e enquanto criação arquitectónica. A fase de construção, que é apenas o final de um longo processo criativo, onde o objecto construído ganha importância e todas as outras fases do projecto, que exigiram (talvez) um maior empenho e dedicação por parte do arquitecto são deixadas para trás. Para o arquitecto o objecto arquitectónico como realidade material é a obtenção da imagem projectada, o alcançar dos seus objectivos e ideais, demonstrando assim o seu conhecimento para com os materiais e técnicas, percebendo os limites construtivos e estruturais mas, ainda assim, não será mais importante do que todo o processo criativo. Parece inegável que a Arquitectura é um processo que culmina sempre na materialização do objecto mas, hoje em dia, veremos que é muito mais do que isso. No meio de todos estes significados mais ou menos objectivos onde poderá ter lugar a realidade virtual? Quanto à Cenografia não se verifica a pluralidade de sentidos encontrados para a Arquitectura mas, apesar do termo se referir, sumariamente, à arte ou técnica de projectar e construir cenários para espectáculos, cabe-nos a nós interpretar o seu sentido. Como decidir o que é um cenário? Um simples foco de luz, por exemplo, poderá constituir uma instalação cenográfica? Mais uma vez, a questão torna-se complexa. Devemos então proceder à descortinação das características essenciais de um cenário. Um cenário pretende ser compreendido por todos de forma semelhante, em qualquer parte do mundo. O mesmo cenário pode, no entanto, ser agradável e sublime para um espectador e desagradável para outro. Nos Palcos da Arquitectura 15 Como qualquer actividade artística, a Cenografia revela, através do material, formas, cores e luzes que usa, um conjunto de emoções e de ideias relativas e pessoais. A Cenografia é, sem dúvida, uma peça fundamental para o sucesso de um espectáculo. Cabe ao cenógrafo conciliar uma série de condições como resposta à proposta do director e/ou autor. Um cenário deve ser projectado de forma rigorosa evitando os excessos para que a intenção do dramaturgo (no caso do teatro) não seja prejudicada. “Podemos dizer, portanto, que cenografia é tudo o que é registrado plasticamente em cena. Não podemos separar cenário, figurino, adereços, iluminação ou até mesmo a marcação de cena, isto é, a movimentação dos atores, porque também estabelecem fluxos, massas, volumes, num determinado espaço.” 5 “(…) cenografia é arte do momento e se desfaz como por encanto na hora em que o espetáculo sai de cartaz.” 6 Numa entrevista ao arquitecto João Mendes Ribeiro O cenário não deve ser tido como o centro de um espectáculo. Deve conseguir captar o interesse do público mas não em demasia. Se as formas do cenário forem demasiados exuberantes ou as cores demasiado fortes, chamando exageradamente a atenção, pode vir a prejudicar a recepção do espectáculo. É importante que o cenário reflicta o estilo do espectáculo, seja ele um teatro, uma produção televisiva, cinema ou um bailado e capte o seu clima completando-o. O público deverá então deixar-se envolver pela peça, pelo bailado… em resumo, pelo espectáculo. 7 5 DIAS, José, consulta na Internet disponível em: este diz-nos que a relação dos intérpretes com os objectos cénicos é essencial. O cenário não deve ser encarado como um fundo ou elemento decorativo. Deve, pelo contrário, ser uma forma activa de comunicar com os espectadores partindo da acção dos intérpretes. Os objectos devem ser desenhados em função do movimento, da escala e do seu uso. http://www.unirio.br/opercevejoonline/7/artigos/1/artigo1.htm. 6 Idem, Ibidem. 7 Mais Arquitectura, “João Mendes Ribeiro – o seu silencio…e o seu tempo”, Revista trimestral, nº2, Maio de 2006. Nos Palcos da Arquitectura 16 Qualquer que seja o tipo de espectáculo é importante passar a mensagem para o espectador. Para alcançar esse objectivo a proposta dramatúrgica do espectáculo pode apelar a registos de percepção de experiências do quotidiano reproduzindo comportamentos ou, então, podem ser utilizados elementos arquitectónicos reconhecíveis. Em cinema, o espaço urbano fílmico, simulado através de cidades imaginárias produz símbolos, imagens e diversas situações que reflectem a vida dos seus “habitantes”. Do mesmo modo, os espaços cenográficos que representam um qualquer interior arquitectónico recorrem a objectos e imagens facilmente identificáveis pelo espectador que, ao receber determinadas informações, as descodifica interpretando os espaços e vendo-os como reais. Os espaços cenográficos conseguem sintetizar a experiência da realidade através de imagens urbanas pré-concebidas e do recurso a símbolos urbanos facilmente identificáveis criando uma relação com o espectador, captando e modificando as suas emoções de uma forma condensada no tempo e no espaço. A Cenografia é um importante veículo para a experimentação, os símbolos urbanos podem inclusivamente ser alterados ao longo do tempo de exibição do espectáculo ou durante a sua construção. Num projecto de Arquitectura, pelo contrário, as fases da concepção e construção são claramente dissociadas. Tudo tem de estar concluído em atelier, antes do início da obra e, salvo raras excepções, não há flexibilidade para introduzir alterações ao projecto no decorrer da construção. Na Arquitectura é difícil encontrar um espaço de experimentação. A Arquitectura tem ainda um carácter essencialmente perene, por contraste com a Cenografia, em que todo o processo é muito rápido e assenta, sobretudo, na efemeridade. Distancia-se assim, a Cenografia da Arquitectura. Os espaços imaginários são criados de forma intuitiva, distante da usual consistência com que os arquitectos lidam habitualmente. Daí, podemos ainda antever que no espaço arquitectónico é necessário prever a ligação ao mundo real e à envolvente ao projecto. Numa outra vertente a Cenografia surge ligada à Arquitectura pois no cinema são expostas as relações entre personagens e os mais variados espaços como, por exemplo, uma cidade ou uma casa. A forma como se movimentam, interagem e modificam a sociedade serve actualmente de inspiração para a Arquitectura. Nos Palcos da Arquitectura 17 De uma forma geral, a Cenografia fornece dados sobre o local onde se desenrola a acção, a altura do dia, estação do ano, tempo meteorológico e condição social dos personagens, entre outros. Muitas vezes, o sucesso de um cenário reside na forma como se expressam estes dados. Um simples elemento apresentado de forma sintetizada, mas bem elaborado na sua forma, cor, textura ou iluminação pode fornecer dados mais importantes ao espectador do que um grande aparato mal concebido e gratuito. Tal como em Arquitectura, o início do processo constitui apenas uma ideia mas, aos poucos, vai ganhando forma através dos perfis dos personagens, palavras e gestos, criação de linhas e estilo, desenhando o cenário. A Cenografia não é decoração, nem composição de interiores. Não é certamente pintura nem escultura, é antes, uma arte integrada. Resulta de uma combinação de cores, luzes, formas, linhas e volumes de forma equilibrada. A Cenografia tem a capacidade de criar um jogo complexo de aparências, do falso, do simulacro, onde esse espaço ilusório é vivido de forma representada e simbólica. Em relação aos filmes mudos podemos verificar que as cenas que impressionaram as audiências durante os primeiros tempos do cinema evocam a memória visual dos espectadores mostrando lugares onde estes nunca tinham estado e influenciando a percepção do próprio mundo. A componente cenográfica adquire um papel primordial na transmissão da mensagem já que o som é inexistente. Aliada à Cenografia surge com igual importância, a luz, a escala, a cor e o volume. Nestes filmes a preto e branco a cor era utilizada tendo em conta a escala de cinzas que iria ser apresentada no produto final. A luz adquire uma importância extrema completando a cor e conferindo diversas características ao espaço. Os efeitos de escala e a percepção de volumes são também veículos para a transmissão de ideias, num mundo que apesar de efémero pretende ser visto como real. A Arquitectura por sua vez recorre aos mesmos elementos de escala, luz, cor e volume mas, em vez de influenciar a percepção do mundo existente, ela transforma, recria, modifica o próprio mundo. A Arquitectura pode, tal como nos filmes, impressionar, transmitir uma determinada sensação mas, de uma forma permanente, provocando uma alteração da realidade que habitamos, modificando um espaço de forma efectiva. Nos Palcos da Arquitectura 18 Poderemos ainda referir o facto de a Arquitectura fílmica servir de inspiração tanto para os arquitectos como para eventuais clientes. Um filme pode ser um poderoso meio de transmissão de ideias, permitindo como que uma visita virtual a um determinado edifício enquanto demonstra o design do ponto de vista de quem o explora. A Cenografia responde às necessidades que resultam do enredo em questão. O que não se vê para além dos planos de filmagem ou de acção não tem necessariamente de existir. Pode-se então dizer que este tipo de construções efémeras não tem preocupações com os materiais, mas sim com a aparência deles, não existem limites devido a imposições estruturais ou ligações entre divisões. A funcionalidade está sempre presente e tudo parece executar-se na perfeição. Neste ponto, a Arquitectura tem muito a aprender com o espectáculo e, mais uma vez se verifica, uma diferença substancial nas duas disciplinas: a inexistência de limites, a criação da ilusão e o privilégio da estética. Na Arquitectura sempre que se pretenda criar determinada sensação ou iludir o espectador, os espaços terão sempre de existir na realidade e a simulação dá lugar à realidade. Apesar das diferenças entre Arquitectura e Cenografia podemos concluir que ambas as disciplinas tentam encontrar a melhor forma de controlar emoções e o subconsciente do espectador e têm uma estreita ligação influenciando-se mutuamente. Nos Palcos da Arquitectura 19 1.2 Luz A luz é talvez o elemento com maior influência na atmosfera de um espaço. A Arquitectura e a Cenografia dependem da luz. Esta é essencial ao revelar as formas arquitectónicas e os espaços que produz enquanto revela também os significados e intenções de um projecto ou espectáculo. Uma correcta iluminação intensifica o impacto poético e emocional do projecto. “A luz é fundamental tanto na arquitectura como nas artes cénicas” 8 8 Mais Arquitectura, “João Mendes Ribeiro – o seu silencio…e o seu tempo” , Revista trimestral, nº2, Maio de 2006. . Existem excelentes exemplos de como os arquitectos tiram partido da luz natural, filtrando-a e moldando-a para caracterizar os espaços, no interior dos edifícios. No entanto, no que toca à luz artificial pode-se dizer que esta é ainda pouco explorada. Desde os primóridos da Arquitectura que a luz mantém com esta uma estreita ligação, onde a sua manipulação foi sempre despoltando novos valores e sensações. Assim, a necessidade básica do ser humano em procurar protecção contra o meio ambiente levou desde logo ao desejo de controlar a luz. A luz é mais do que uma simples junção de factores físicos. Esta implica também valores sociais e culturais sendo inseparável do Homem, modificando os seus sentimentos e o espaço em que vivemos. Esta tem a capacidade de clarear e iluminar os espaços tornando-os visíveis ou nítidos. A experiência da luz só faz, no entanto, sentido se tivermos presente o conceito de escuridão, a ausência de luz que complementa o fenómeno de iluminação. Na verdade a luz, ou a sua ausência, serve também para suprimir ou omitir a percepção visual, criar espaços desconhecidos e levantar diversas questões e valores. Graças à luz podemos percepcionar as dimensões, formas, texturas e cores dos objectos que nos rodeiam. Nos Palcos da Arquitectura 20 A luz é determinante num espectáculo. É ela que define o espaço, que modela os corpos e os cenários. Permite não apenas iluminar mas, sobretudo construir um espaço. No teatro é possível construir todo o espaço cénico a partir da luz. A iluminação teatral tem como função principal possibilitar a visualização da cena e ambientá-la gerando sensações de frio ou calor, por exemplo. Pode enfatizar determinados aspectos do cenário permitindo que o espectador veja o que se está a passar ou, iluminar apenas determinadas partes escurecendo outras, a fim de ocultá-las do público. A luz permite estabelecer relações entre actor e objecto, destacando certas formas tridimensionais, levando o espectador a centrar a sua atenção apenas num certo ponto do espectáculo. Uma outra característica da iluminação de palco é a criação de efeitos que geram ilusões de mudanças de tempo e local entre cenas. É possível simular um pôr- do-sol ou um luar através do uso de uma correcta iluminação. Para além do sentido de comodidade e da criação de um ambiente saudável existe uma vertente onde se privilegia a forma artística e criativa do uso da luz. Esta corrente é facilmente percepcionada no teatro ou cinema onde os cambiantes de tons de luz modificam os espaços podendo, por exemplo, dramatizar um contexto ou evento. Um projecto de Arquitectura com uma correcta iluminação pode destacar determinadas qualidades a nível da estrutura ou design interior ao mesmo tempo que oculta outros pontos de menor importância. Da mesma maneira, como já foi referido, um espectáculo recorre à iluminação para que no seu cenário se destaquem certos pontos essenciais. De forma mais técnica e sucinta podemos dizer que a luz é projectada em objectos cujas superfícies absorvem ou reflectem as radiações de diferentes frequências. A cor (que irá ser tratada seguidamente) de um determinado corpo irá depender das características da luz que lhe é projectada e das radiações que o material que o compõe reflecte. Por exemplo, um objecto amarelo iluminado com uma luz branca, reflecte essencialmente as radiações correspondentes à cor amarela do “Spectrum” visível absorvendo as restantes. Essencialmente deveremos distinguir os tipos de iluminação de acordo com a sua fonte: iluminação natural ou iluminação artificial. Nos Palcos da Arquitectura 21 Assim, a luz que provém do sol denomina-se de luz natural. Não conseguimos conceber a vida sem luz natural. Ao longo dos séculos o sol tem sido idolatrado como um elemento fascinante e misterioso. A luz natural que teve desde sempre um papel primordial na prática da Arquitectura, é marcada pelo seu ciclo diário e pela constante mudança. São inúmeros os projectos realizados tendo em vista a criação de um determinado ambiente interior tentando manipular as qualidades da luz natural como forma de enaltecer formas ou espaços. O tipo de aberturas, a sua localização, tamanho e orientação são características chave assim como os materiais que a luz atravessa, as texturas e as cores das superfícies com que entra em contacto. A base para uma boa iluminação natural é sem dúvida um bom projecto que preveja aberturas em todas as divisões permitindo a sua ventilação e iluminação natural. “How much light does man need, and how much darkness?”9 Ao contrário da iluminação natural, que em Arquitectura sempre foi considerada um elemento primordial num projecto, durante muitos anos a iluminação de forma artificial foi descurada e teve apenas como objectivo resolver problemas de ordem funcional ou de segurança. O mais importante tem tendência a ser apenas a garantir a existência de uma quantidade suficiente de luz para realizar determinada actividade sem se ter em conta factores como a fadiga ou o conforto psicológico que podem ocorrer caso o planeamento não seja adequado. Nos nossos dias, para além de haver uma crescente preocupação com o bem-estar da pessoa ao realizar determinada actividade outro ponto fulcral, no que à iluminação artificial diz respeito, é a preservação de energia multiplicando-se os estudos nesse sentido. É ainda importante a responsabilização individual de cada um para que não se abuse da iluminação A iluminação de um espaço interior ou semi-interior é a chamada iluminação interior que oferece múltiplas possibilidades e permite o seu total controlo e manipulação. A luz natural, pelo contrário, só pode ser controlada até certo ponto dada a sua natureza em constante mudança (esta pode variar de acordo com a altura do dia, a estação do ano, os níveis de humidade ou a cor das nuvens). 9 Peter Zumthor em: VÉRGES, Mireia, Light in architecture, Tectum Publishers, Bélgica, 2007, ISBN: 978-90-76886-45-9. Nos Palcos da Arquitectura 22 artificial, principalmente à noite, evitando assim alguns efeitos negativos que possam ocorrer nos seres humanos. A crescente importância dada a este tipo de forma de iluminar tem levado a diversos progressos tecnológicos a este nível. Um desses factores de desenvolvimento é o crescente uso de sistemas de iluminação cada vez mais económicos aliados a avanços ao nível de sistemas de controlo da iluminação. Os sistemas de iluminação devem interagir com o ambiente que os rodeia expressando de forma dinâmica (tal como a luz natural) a passagem do tempo, adaptando-se assim, aos ritmos da natureza. Outro factor que promove a importância da luz artificial é a confirmação dos benefícios que se obtêm quando se escolhe o tipo de luz certo. Está, por exemplo, provado que o tipo de iluminação no local de trabalho influencia o desempenho e a satisfação dos trabalhadores. Também nos restaurantes, lojas e hotéis a luz representa um factor determinante quanto ao sucesso ou fracasso do projecto. Será à partida mais agradável jantar à luz das velas ou outro género de iluminação aconchegante do que num local com iluminação forte de lâmpadas fluorescentes. Pode, no entanto, optar-se por um tipo de iluminação menos adequada de modo a que as pessoas tomem as suas refeições e, rapidamente, dêem lugar a outras, obtendo assim um maior lucro, como no caso da maioria dos restaurantes fast-food. As diferenças de luz que se verificam nas distintas partes do planeta são uma das determinantes que definem o tipo de Arquitectura praticada. Por exemplo, nas zonas Mediterrâneas e no México, onde a luz é mais intensa, criam-se varandas ou pátios que promovem a transição entre espaços interiores e exteriores. Noutros locais como na Inglaterra ou Holanda os interiores são abertos e ligados ao exterior através de grandes janelas envidraçadas ou telhados em vidro que permitem observar o céu. As grandes janelas podem ser criadas para minimizar o impacto da divisão entre interior e exterior permitindo também a manutenção de uma temperatura agradável dos espaços. Também o pátio garante um máximo aproveitamento da iluminação e ventilação do edifício, sendo uma solução que consiste em rodear um espaço com paredes deixando o plano superior livre. Normalmente a luz natural incide no espaço interior através de aberturas na fachada, tais como janelas e portas, ou nos telhados criando uma luz zenital. Estes Nos Palcos da Arquitectura 23 elementos podem ser aplicados de diversas formas criando um número infinito de efeitos. Um bom projecto de Arquitectura tem de definir com rigor qual o tipo de luz que melhor se adequada às intenções do edifício. Isto envolve uma escolha quanto à posição, tamanho e forma dos espaços por onde a luz natural irá entrar. Num projecto de Arquitectura, para além de se definir a situação, orientação, forma e tamanho das aberturas é importante decidir também qual o material por onde a luz natural poderá entrar no edifício. Este material irá afectar, inevitavelmente, as características da luz podendo ser definido, em primeiro lugar, como transparente ou opaco. As superfícies transparentes não devem distorcer em nenhum caso a visão que se obtém do outro lado. Em Arquitectura o material transparente mais comummente utilizado é o vidro, seguido de alguns plásticos. O recurso a estes materiais permite unir ou aproximar interior e exterior num espaço aparentemente contínuo. Durante o dia a luz solar ilumina o interior dos edifícios, durante a noite estes caem na obscuridade e cabe então à luz artificial dar volume aos espaços obtendo o efeito inverso de iluminação do exterior. As aberturas nas fachadas funcionam assim durante o dia como entradas de luz e à noite como fontes de luz. Este é um efeito bastante explorado pela Arquitectura contemporânea. Quanto ás superfícies translúcidas, estas são compostas por materiais que permitam a entrada de luz mas não a visão do outro lado. Observar através de uma superfície translúcida é ter um insinuar dos corpos que existem atrás dela sem os ver claramente. Os raios de luz que este tipo de superfície transmite são difusos, parcialmente transmitidos e absorvidos em parte pela superfície. Este tipo de luz permite transições graduais entre espaços, entre zonas claras e zonas obscuras permitindo uma melhor percepção das cores intermédias enquanto os tons se modificam devido à intensidade da luz. É comum considerar esta luz como misteriosa e ambígua, talvez pela fonte não ser facilmente perceptível. Os espaços que recorrem a este tipo de luz são, normalmente, abstractos e conferem uma sensação de isolamento ou retiro favorecendo ainda a concentração. Devido a estas características, ao seu carácter sagrado e à calma espiritual que transmitem, as superfícies translúcidas são frequentemente aplicadas a locais de culto, museus ou centros culturais. Nos Palcos da Arquitectura 24 Tal como no caso das superfícies transparentes, o vidro é o principal elemento utilizado para o fabrico de superfícies translúcidas juntamente com alguns tipos de plástico. “What is made by light casts a shadow and that shadow belongs to light”10 10 Louis Kahn em: LOBELL, John, Between Silence and Light: Spirit in the Architecture of Louis, 2008, ISBN: 9781590306048. . Tanto na Arquitectura como na Cenografia as sombras são uma componente fundamental ao abordar o conceito de iluminação. As sombras “seguem” o tipo de luz, se esta for directa e intensa também a sombra irá ser escura e bem definida, pelo contrário, se a luz for difusa também as sombras serão mais suaves. O objecto que bloqueia a luz é outro elemento que define o tipo de sombra. Este objecto pode inclusivamente permitir a passagem parcial da luz, o que irá resultar numa sombra mais clara. Também a distância e posição que este adopta em função do foco contribui para o tamanho e formato da sombra. Um outro factor que a Arquitectura tem de considerar acerca das sombras é o facto da sua constante mudança ao longo do dia constituindo uma expressão evidente da passagem do tempo. São muitas vezes as sombras que nos indicam qual a hora do dia e, de forma mais específica e menos empírica, traduzem a estação do ano ou posição do país em que nos encontramos. Também no que à Cenografia diz respeito, a relação entre sombra e luz é muito importante podendo também ela ser usada para expressar a passagem do tempo ou representar uma determinada altura do dia, embora se recorra para esse efeito a um tipo de iluminação artificial mas que, imite a natureza e iluda assim os espectadores. Principalmente em Arquitectura, a luz quando incide num espaço de forma excessiva pode tornar-se desconfortável e até mesmo tornar uma actividade impossível de praticar. Existem diversas formas de controlar a luz em excesso resultando muitas vezes em soluções interessantes e inovadoras que reinventam os espaços. Nos Palcos da Arquitectura 25 Existem alguns factores principais que determinam o tipo de efeito criado pela luz. Em primeiro lugar deve ser tido em consideração o tipo de luz, a fonte, seja ela artificial ou o próprio sol. Todas as fontes luminosas têm características particulares em termos de intensidade, direcção ou cor. Depois deve ser tido em conta o factor que relaciona a fonte luminosa e o seu receptor, quer seja ele um objecto, ser vivo ou superfície. Todos têm capacidade de modificar a luz tornando-se também elementos cruciais no processo de iluminação. No caso das superfícies iluminadas estas tornam-se fontes secundárias de iluminação pois, em maior ou menor grau, reflectem a luz, dando-lhe outras cores e novas direcções. São diversos os simbolismos atribuídos à luz. Por exemplo ao segurarmos uma vela, ao contemplarmos o pôr ou o nascer do sol existem significados concretos previamente atribuídos. A luz ao ser captada de uma certa forma consegue provocar sensações no ser humano. Pode adquirir uma função cénica, pode ser decorativa ou ter função estética. “Faça-se LUZ! E fez-se LUZ. O primeiro material criado, o mais eterno e universal dos materiais, surge assim o material central para construir, CRIAR o espaço.”11 “Eis que a arquitectura, sem LUZ, ainda é menos que nada.” 12 11 BAEZA, Alberto, A ideia construída, Caleidoscópio, Casal de Cambra, 2008, ISBN: 972-8801-22- X. 12 Idem ibidem. Nos Palcos da Arquitectura 26 1.3 Cor A cor é um elemento essencial, presente em tudo o que nos rodeia. Percepcionadas através da visão, as cores, são posteriormente interpretadas pelo cérebro gerando sensações positivas ou negativas influenciadas pelos mais diversos factores. A cor como elemento integrante do ambiente urbano define e caracteriza o espaço. As cores têm a capacidade de produzir sensações, afectar a nossa concentração e, até mesmo, a nossa saúde. Em Arquitectura existem diversos estudos a respeito das capacidades da cor onde se concluiu, por exemplo, que o recurso a determinadas cores em escritórios ou fábricas diminuiu os níveis de stress, o que culmina numa melhor eficiência por parte dos trabalhadores. Podemos comparar a pintura de um edifício, juntamente com o material que o reveste, a um painel publicitário ou uma tela de cinema. Existirá sempre uma parte privada que corresponde ao interior do edifício e uma parte pública correspondente à fachada que irá funcionar como cenário para a “representação”. Em Arquitectura cabe, em primeiro lugar, ao arquitecto a decisão de tornar o seu projecto uma parte integrante da paisagem que o rodeia, conjugando-o, ou pelo contrário, criando um contraste com a envolvente, destacando-o. Principalmente ao projectar a fachada dos edifícios a responsabilidade é ainda maior pois as mudanças vão ser verificadas em toda a envolvente sendo a cor um elemento fundamental na caracterização do espaço. Habitualmente considera-se a fachada como o meio de comunicação com o exterior, ou o modo como se apresenta o edifício ao espectador. Quem observa o “invólucro” tem então uma tendência natural para adivinhar o que está dentro o que, em muitos casos, não corresponde ao imaginado pois o interior pode não reflectir o exterior. Assim podemos dizer que nestes casos se constitui um primeiro exemplo de Arquitectura enquanto Cenografia, a Arquitectura do exterior ilude, cria uma ideia de um interior que nem sempre corresponde à realidade. A capacidade expressiva da cor está ainda aliada ao uso de materiais adequados que conferem a um edifício um determinado valor. Nos Palcos da Arquitectura 27 Na Cenografia, no entanto, não podemos estabelecer um paralelo entre materiais e valores de forma tão directa já que a capacidade ilusória dos materiais é muito mais explorada do que em Arquitectura (embora existam diversos casos onde isso acontece). Os conceitos de cor, luz e materiais não podem ser dissociados. Em primeiro lugar, como já se verificou, sem luz não haveria forma de revelar a matéria, e também esta está dependente da cor e dos materiais que levam à criação de infinitos tipos de iluminação. Existe ainda uma importante ligação entre a cor e a percepção do espaço. Diferentes cores conduzem-nos a diferentes noções do espaço envolvente, estas não são independentes, são fruto da percepção visual e experiência do espectador. “Nenhuma cor carece de significado. O efeito de cada cor está determinado pelo seu contexto, ou seja, pela ligação de significados na qual entendemos a cor.” 13 13 HELLER, Eva, A psicologia das cores, Gustavo Gili Editora, Naucalpan, 2004, ISBN: 978-84- 252-2168-2. Num exemplo de uma perspectiva, a duas dimensões, o azul é utilizado como uma cor mais atrás. O vermelho transmite, pelo contrário, uma sensação de maior proximidade. Normalmente, quanto mais quente é a cor, mais próxima parece estar e quanto mais fria mais distante. Para além disto as cores também variam com a distância a que nos encontramos delas. O vermelho, quando está perto de nós, é mais vivo e brilhante sendo que, à medida que nos afastamos ganha algumas propriedades do azul. A nossa sensibilidade é um dos factores que influencia a percepção das cores. Por vezes reagimos de forma inconsciente e somos influenciados pelos mínimos detalhes que parecem passar-nos despercebidos. As cores quentes deixam-nos alegres, transmitem força e energia, enquanto que as cores frias nos acalmam produzindo um efeito relaxante. As habitações são, normalmente, um reflexo dos seus habitantes. As pessoas extrovertidas preferem utilizar cores quentes e claras, as pessoas tímidas e introspectivas recorrem às cores frias e mais escuras. Da mesma forma, se a intenção de um cenário for reproduzir uma casa este deverá ser um reflexo dos personagens que a habitam. Nos Palcos da Arquitectura 28 Para o arquitecto é muito importante considerar factores culturais, aspectos da moda, a idade dos clientes, o sexo e o meio em que se vive na altura de escolher as cores mais adequadas a um projecto arquitectónico. No caso da Cenografia, mais do que considerar todos os factores que foram referidos no parágrafo anterior, neste caso para os personagens que vivenciam o espaço, é extremamente importante considerar o público ao qual se destina. Por vezes as cores, mais do que serem um espelho dos personagens são um veículo para atingir o espectador ajudando a dramatizar ou a aligeirar cenas. Nas zonas mais íntimas de uma habitação, como é o caso dos quartos, é natural que se consiga identificar a personalidade dos moradores, tanto nas cores utilizadas como nos móveis existentes nesse espaço. Sendo um quarto de dormir um local à partida confortável e tranquilo, que deve proporcionar uma sensação relaxante, as cores mais adequadas são de tons suaves e subtis. Os fortes contrastes ou o recurso a cores demasiado nítidas é desaconselhável. Já num quarto para crianças, os especialistas, arquitectos de interiores e designers recomendam o uso, em parte, de cores fortes e quentes, o vermelho, laranja e amarelo que tornam o ambiente luminoso e claro. Em jovens com mais de treze anos, sugere-se, o uso de azuis e verdes. Em todo o caso, as cores escuras devem ser evitadas. Num quarto de casal a maioria das pessoas prefere tonalidades suaves com transições subtis ou o uso de cores quentes e relaxantes. A menos que se tenha como objectivo criar um ambiente vibrante ou muito forte as cores brilhantes ou escuras devem ser evitadas. De uma forma geral, tanto para a Arquitectura como para a Cenografia, o significado das cores, o impacto que causam nas pessoas, é o mesmo. Na nossa cultura o azul surge associado à harmonia, simpatia, amizade e segurança. Como o céu é azul, este surge muitas vezes associado ao eterno e ao divino. O azul é considerado a cor mais fria. A nossa pele fica azulada com o frio, a neve e o gelo também apresentam tonalidades azuladas. É ainda mais frio do que o branco que significa a luz, enquanto as sombras são também em tons de azul. Na Arquitectura o azul pode ser desconfortável para interiores por transmitir a sensação de que o espaço está aberto e deixa entrar frio. Pelo contrário, em países Nos Palcos da Arquitectura 29 quentes, o azul é utilizado propositadamente pois transmite uma sensação de frescura. O vermelho significa fogo e sangue de forma universal. Por ser uma cor muito forte incomoda quando é utilizada de forma excessiva. Na Arquitectura é quente, vivo, agressivo, sensual e estimula os instintos. Deve, por isso, ser usado com moderação. Na nossa cultura o vermelho surge também associado ao ódio, ao amor, à vida e ao luxo. A ideia de que é uma cor de felicidade é também muito popular, principalmente na cultura chinesa. O amarelo surge associado à diversão amabilidade e optimismo embora existam também variadas associações negativas. Ele é também símbolo da inveja, dos ciúmes e da mentira. Podemos também dizer que “o sol é a nossa experiência elementar do amarelo. Esta experiência encontra sempre uma generalização simbólica: como cor do Sol, o amarelo serena e anima.” 14 14 HELLER, Eva, A psicologia das cores, Gustavo Gili Editora, Naucalpan, 2004, ISBN: 978-84- 252-2168-2. Na Arquitectura é utilizado como forma de iluminar um espaços, trazer brilho, calor, vida e alegria, embora se torne cansativo se for empregado em excesso. O verde surge da junção do azul e do amarelo. Mas é mais do que isso. O verde é vida. Em variadas teorias antigas era considerada uma cor primária e, ainda hoje, de acordo com as nossas experiências verificamos que, psicologicamente, é uma cor elementar. O verde é a cor da natureza, transmite vida e saúde. Simboliza a primavera, estação do ano, e primavera da vida, está também associado à juventude e à fertilidade. O verde aplica-se na Arquitectura para obter a calma e equilíbrio de emoções. É a cor que menos fatiga a vista, é o equilíbrio entre o calor e o movimento do amarelo e a estática e a frieza do azul. O cor-de-laranja é uma cor quente de cariz secundário pois, em termos de significados, primeiro associamos sensações ao vermelho e ao amarelo e, só depois, se pensa no laranja. O vermelho e o amarelo, cuja junção resulta no cor-de-laranja têm um número muito maior de simbolismos. Nos Palcos da Arquitectura 30 Em Arquitectura o cor-de-laranja aparece-nos vezes sem conta em telhas, que são claramente mais alaranjadas do que vermelhas. Em termos de significados destaca-se a sensação de movimento e espontaneidade estando também associada à diversão e alegria. Ao considerarmos a cor preta a primeira questão que devemos colocar é “será o preto uma cor?”. Sendo o preto a ausência de luz, a ausência de cores, convencionou-se que não era uma cor mas, o certo é que nós vemos o preto. Segundo Eva Heller15 O violeta foi na antiguidade a cor dos governantes estando associada ao poder. Hoje em dia é símbolo de extravagância, de vaidade e de magia. Existem muitas outras associações à cor violeta. Por exemplo, Eva Heller diz-nos que “o violeta ou o lilás sempre foram as cores preferidas para embalar tabletes de chocolate, desde Cadbury até Milka, com a sua vaca lilás. O violeta é, por isso, a cor dos pecados doces” o preto é uma cor que não tem cor. O seu significado mais conhecido é a dor e o luto associado a crenças religiosas da nossa cultura. O mau, a sujidade e o azar são outros significados recorrentemente atribuídos ao preto embora, hoje em dia, este seja uma cor com valor de uma certa sofisticação e luxo. Quanto ao branco, simbolicamente, é a cor mais perfeita de todas e os seus significados nunca são negativos. A questão que se impõe, no entanto, é a mesma sobre o preto, “será o branco uma cor?”. A física diz-nos que o branco não é somente uma cor, é a junção de todas as cores. Para além disso existe uma diferença entre branco e incolor, ao branco associam-se sentimentos e qualidades como a qualquer outra cor. Os principais conceitos que associamos à cor branca são a paz, a calma e a pureza. 16 15 Idem, idibem. 16 HELLER, Eva, A psicologia das cores, Gustavo Gili Editora, Naucalpan, 2004, ISBN: 978-84- 252-2168-2. . Nos Palcos da Arquitectura 31 O cor-de-rosa simboliza a beleza, saúde e sensualidade. Desde há muito que esta cor surge associada ao feminino. Remete-nos para algo amoroso, terno, suave e ao mesmo tempo para uma certa fragilidade e delicadeza. A cor dourada é símbolo de riqueza e prosperidade. Nas culturas antigas, o dourado era associado ao sol significando glória, divindade e realeza. Normalmente, quando se quer adicionar valor a um determinado objecto, pode-se fabrica-lo em ouro. “Desta maneira qualquer caneta, caixa de pó de arroz, pente ou botão se pode transformar num símbolo de status” Eva Heller. Em Arquitectura o dourado incute aos locais um cariz de riqueza e luminosidade Por fim, o prateado é associado ao feminino, à lua e às suas influências. É tida como o espelho da alma, ajudando-nos a vermo-nos como os outros nos vêem. Muitas vezes, o prateado é menosprezado por ser comparado com o dourado, que tem, à partida, mais valor. Existe ainda uma associação do prateado à tecnologia e ao artificial pois muitos objectos criados nos nossos dias, e que brilham como a prata, nem sempre são realmente de prata. Nos Palcos da Arquitectura 32 1.4 Materiais O conceito de materiais é indissociável dos conceitos de cor e luz. Muitas vezes as cores naturais do betão, madeira, tijolo, vidro, ferro, pedra, entre outros, são muitas vezes manipuladas através da pintura, procurando, por vezes, tornar o espaço mais homogéneo, criar algo original ou responder a uma tradição cultural. Quanto à relação entre a luz e os materiais podemos dizer que estes vivem uma relação de interdependência. Os materiais são a chave para o entendimento da luz na Arquitectura pois afectam directamente as quantidades e tipos de iluminação num edifício. Por exemplo, materiais com acabamentos polidos são reflectores de luz, tal como espelhos, enquanto que as superfícies baças, tais como a madeira ou o gesso, reflectem a luz de forma difusa. Os materiais desempenham em Arquitectura um papel fundamental para que esta adquira a sua dimensão táctil ou real. A sua materialização, objectiva e sensorial só é possível quando a ideia desenhada ganha corpo, quando se passa à fase de construção. Os materiais utilizados em edificação possuem textura, cor e até mesmo um odor característico que ajuda a definir o edifício em termos visuais, sendo um importante veículo para a expressão da Arquitectura. É através da cobertura e do tecto que nos apercebemos do grau de protecção de um edifício, do seu carácter de abrigo. O seu peso, a sua presença mais ou menos marcada, a proximidade ou distância a que se encontram os elementos materiais dão-nos a noção da qualidade da construção e da sua natureza. Os pavimentos e paredes são as superfícies cujo contacto, textura e cor nos afectam mais directamente, provocando atracção ou repulsa. O pavimento é a mais inevitável das experiências, aquela que define o humano como corpo com massa e peso que experiencia a gravidade. A sua elasticidade, o som que produz ao ser tocado, o fresco ou o calor que sente o pé que o pisa, a luz que reflecte, a humidade que absorve ou que mantém, a limpeza que exige ou o respeito que inspira, são qualidades que o arquitecto deve ter em consideração ao projectar, e às quais não pode escapar. Ao escolher os materiais que melhor se adaptam a determinada construção deve ter-se em conta o seu desgaste: a passagem do tempo como um agente fundamental. Nos Palcos da Arquitectura 33 O uso e as mudanças que daí resultam, como o desvanecer da cor ou a incrustação do pó, não devem desvalorizar um edifício, pelo contrário, devem ser tidos como símbolos e as suas novas características preservadas. Segundo alguns autores, a expressão mais válida e mais profunda da essência do material é revelada apenas pelas ruínas, que não são vistas como o fim mas antes como outra dimensão da realidade, ou um retorno às origens. Na ruína reconhece-se a verdadeira natureza do material ou o que mais o aproxima do natural, despojado do supérfluo, mantendo apenas o essencial. Os materiais menos transformados, mais relacionados com a sua origem natural são, normalmente, melhor percebidos e mais profundamente apreciados. Os detalhes são outro elemento fundamental em Arquitectura que só podem ser concretizados graças ao correcto uso dos materiais. Os detalhes são ideias, desenhos e, por fim, são um produto acabado cuja marca que imprimem está dependente dos materiais empregues na sua realização. Conferem à construção o seu lado humano, distante dos desenhos CAD compostos por formas indiferentes á vivência dos espaços. Existe ainda uma questão que liga Arquitectura e Cenografia através do conceito de materiais. Em Arquitectura, principalmente nos nossos dias, muitos materiais aparentam ser outros diferentes. As situações mais comuns, verificadas por toda a gente dizem respeito, por exemplo, ao uso do alumínio que imita a madeira, ou um chão em azulejo ou qualquer outro material artificial mas que aparente ser de madeira natural. Pedras sintéticas, peles artificiais e paredes que aparentam ser em tijolo mas são na realidade meros planos de contraplacado são outros exemplos. Também a Cenografia explora esta característica que permite que os materiais se mascarem de outros iludindo até o espectador mais atento. Muitas vezes será necessário recorrer ao toque para nos apercebemos que nem tudo é o que parece é. Como a Cenografia geralmente não permite uma interacção com o espectador é ainda importante salientar uma outra forma de desmascarar um material: muitas vezes é o som que denuncia o material em questão, o toque dos personagens nas componentes cenográficas emite sons geralmente reconhecidos pelos espectadores que se apercebem que a pedra é, na realidade, esferovite, que uma sólida parede em tijolo não passa de uma fina placa de madeira, etc. Em Cenografia iludir o olhar é o suficiente pois o público não interage com o cenário, não o sente nem o pisa. Nos Palcos da Arquitectura 34 1.5 Linha Embora existam diversas definições do elemento linha, a mais comum, é considerar que esta é o resultado de um ponto em movimento. “(…)é o produto do deslizamento do instrumento de desenho sobre a superfície onde se desenha.” 17 “As linhas, e por sua vez os traços, sempre foram os principais elementos de estudo, por quem se interessa pelos problemas do desenho ou da representação gráfica, pois estão patentes em todas as representações gráficas.” . A Linha pode também ser definida como uma cadeia de pontos tão próximos que não se pode distingui-los. Nas artes visuais é o elemento visual por excelência daí a sua importância para a Arquitectura e para a Cenografia. Pode adoptar formas muito distintas para expressar intenções diferentes, pode ser indisciplinada, para aproveitar sua espontaneidade expressiva, delicada, ondulada, vacilante, indecisa, nervosa, etc. Em Arquitectura a linha representa o início do processo de acção projectual e, poderemos assumir que em Cenografia (apesar do caminho ser distinto) também marca o início da actividade. 18 17 PINTO, Luís M., História da Percepção na Acção Projectual. Tese de Doutoramento, Universidade Portucalense, 2007. 18 Idem, ibidem. Normalmente, o arquitecto recorre a esquemas, pequenos esboços ou diagramas que explicam as suas ideias. Numa primeira fase, não necessitam de ser compreendidos por todos pois a sua função principal é auxiliar a memória e assentar os pensamentos de quem os executa. Só mais tarde é que estes registos devem ser adaptados de acordo com os objectivos do projecto para que possam transmitir ideias a outros. A linha pode assumir diversas formas adquirindo a denominação de contínua, descontínua, interrompida., etc. Consoante o seu aspecto esta transmite diferentes sensações tais como calma, sonolência, agressividade ou estabilidade. Quando pensamos num desenho a imagem que formamos é, quase sempre, a de um conjunto de linhas e não de apenas uma. De facto, a linha, quando conjugada com outras, abre mais facilmente caminho para a comunicação, para a transmissão de ideias. Nos Palcos da Arquitectura 35 As linhas influenciam-se umas às outras formando um conjunto de articulações enquanto damos continuidade ao desenho. A sua conjugação pode sugerir texturas, profundidade, volumes, movimento, entre outros, para ajudar a transmitir uma ideia. A linha permite-nos conceber e representar formas de maneira versátil e variada, com diferentes cores, espessuras ou ritmos. Diferentes espaçamentos, direcções e sentidos podem também levar a diferentes ilusões como profundidade, dimensão ou movimento, num desenho à partida estático. São diversos os autores que exploram a simbologia dos diferentes tipos de linha. O arquitecto Miguel Moreira Pinto19 19 Conversa com o Arquitecto Miguel Moreira Pinto no dia 11 de Abril de 2009. diz-nos que ao seguirmos uma linha horizontal nos apercebemos do seu sentido de eminência, racionalidade e intelectualidade. Esta provoca-nos ainda uma sensação de repouso. Já a linha vertical, transmite-nos uma impressão de infinidade e emocionalidade, atraindo-nos o olhar para o alto. Tanto no ambiente natural como no desenho existem linhas curvas e linhas rectas. As linhas rectas produzem uma sensação de tranquilidade, de solidez, de serenidade. As linhas curvas são instáveis, alegres e graciosas. Nos Palcos da Arquitectura 36 1.6 Espaço – volume, superfície e escala “O VOLUME que é o elemento pelo qual nossos sentidos percebem e medem, sendo plenamente afectados. A SUPERFÍCIE que é o envelope do volume e que pode anular ou ampliar a sua sensação. A PLANTA que é geradora do volume e da superfície e que é aquilo pelo qual tudo é determinado irrevogavelmente.” 20 20 CORBUSIER, Le, Por uma arquitetura, Editora Perspectiva, São Paulo, 2002, ISBN: 85-273- 0142-3; O espaço pode ser considerado uma entidade que se contém a si mesma seja ele limitado ou ilimitado. Tudo o que criamos, tudo o que existe, todos os objectos estão contidos no espaço. A ausência desses objectos tem a denominação de espaço vazio. Tanto em Arquitectura como em Cenografia o Espaço é preenchido através de conjuntos de volumes. Em Arquitectura podemos ainda dizer que estes volumes são envolvidos por Superfícies que os definem, que os marcam. Cabe ao arquitecto criar as Superfícies de forma adequada privilegiando os volumes por elas gerados. Na sua forma mais simples, consideramos que as superfícies são as paredes e tectos de um edifício e estes são, normalmente, constituídos por planos. A superfície (plana ou curva) pode ser considerada mais um dos elementos básicos que constituem a Arquitectura e a Cenografia. É a interacção entre superfícies, geradoras de volume e de Espaço que lhes dá origem. Em cenografia poderemos considerar os limites dos volumes, a superfície que os envolve, como por exemplo, o palco. O nosso campo de visão está direccionado a um espaço definido lateral e superiormente por cortinas ou paredes que constituem um limite à acção delineando o espaço onde esta se desenrola. Ao contrário da Arquitectura, normalmente a Cenografia, não demonstra preocupações com o espaço envolvente, com os outros volumes, com os outros espaços que rodeiam o local da cena. Mesmo no caso de um espectáculo ao ar livre as atenções estão sempre concentradas na acção e não em toda a envolvente. Ainda assim, em ambas as disciplinas, o espaço então gerado adopta as mais variadas características de acordo com a cor, iluminação, forma e escala que os planos base podem adquirir. Nos Palcos da Arquitectura 37 O plano pode ser analisado do ponto de vista da sua origem. Este pode ser gerado a partir de um ponto, um conjunto de pontos, uma linha (seja ela direita ou curva), ou então ser o resultado da conjugação destes elementos. No entanto, a questão “o que é um plano ou uma superfície?” nunca poderá ficar inteiramente resolvida. A noção de plano varia consoante a interpretação das pessoas. É um conceito individualista e com múltiplos significados. O volume está, antes de mais, condicionado pela questão da escala dos elementos que preenchem os espaços. A escala refere-se ao modo como percebemos o tamanho de um dado objecto em relação a outros elementos. Normalmente, a Arquitectura e a Cenografia têm como base das suas dimensões a escala humana. Nos espaços tridimensionais, a altura tem maior influência sobre a percepção do espaço do que o comprimento pois é o plano do tecto que nos confere a sensação de intimidade, de clausura. As portas, degraus, distâncias interiores e móveis são dimensionados de acordo com a estatura média do ser humano. Por vezes a Arquitectura recorre a efeitos de escala para provocar determinadas sensações no espectador. Por exemplo para se obter um efeito de monumentalidade, diversos edifícios, principalmente estátuas e edifícios comemorativos são construídos numa escala maior do que a humana assinalando assim que o seu propósito é maior do que a vida, destacando-se dos objectos arquitectónicos envolventes. Já a Cenografia recorre a efeitos de escala de forma mais evidente. O importante é passar uma ideia e, por isso, as escalas utilizadas podem parecer absurdas levando o público a acreditar se encontra num mundo de gigantes ou anões, onde uma reprodução da torre Eiffel não necessita ser majestosa mas, apenas por ser um pouco maior do que o homem desempenha na perfeição o seu papel. Sobre a questão da escala é ainda de extrema importância referir a pintura na Idade Média, onde as figuras humanas apareciam, muitas vezes, com uma escala exagerada em comparação com os elementos que as circundam. Por exemplo, em sinal de superioridade, a figura de Cristo é sempre maior do que as restantes. A combinação entre planos/superfícies e volumes, através da sua escala, criam um preenchimento do espaço e podem por isso ser vistos como conceitos individuais mas indissociáveis que, no seu todo, materializam a Arquitectura e a Cenografia. Nos Palcos da Arquitectura 38 1.7 Perspectiva e Realidade Virtual Ao falar na perspectiva torna-se essencial falar no período do Renascimento. É nesta época, em que a sociedade procurou trocar os valores espirituais pela realidade material que se deu, ao nível da representação, uma mudança mais acentuada. De um novo enquadramento do homem no mundo, decorreu, necessariamente, uma nova concepção do universo. O artista renascentista submeteu, portanto, o sensorial ao racional, o que resultou numa necessidade de traduzir o mundo real como era percepcionado pelos olhos. Para tal, serviu-se de instrumentos que permitiam uma obra de verdade, de perfeição e de imitação da natureza. Através da perspectiva (3D), com recurso ao ponto de fuga, encontraram-se os princípios organizadores do mundo material. Por exemplo, Brunelleschi desenvolveu a perspectiva com um ponto de fuga central, o que permitiu aumentar a sensação de profundidade levando a um maior realismo do objecto desenhado. Uma perspectiva poderá ser então definida como a forma de percepcionar um objecto tridimensional numa imagem realizada num plano bidimensional. Imagem 1: Perspectiva linear, realizada por Brunelleschi, da nave Central da Igreja de San Lorenzo fonte: http://www.clarku.edu/activelearning/departments/physics/blatt/blattD2.htm Tanto a Arquitectura como a Cenografia, terão sempre, inevitavelmente uma componente volumétrica, e portanto, de perspectiva. Apesar de, nas artes cénicas, por oposição ao que sucede em Arquitectura, se privilegiar o lado visível da construção, não se considerando a sua componente espacial ou volumétrica, não poderemos esquecer que por mais pequeno que seja o Nos Palcos da Arquitectura 39 espaço cénico ele tem sempre a sua componente volumétrica concreta. Mesmo que a profundidade seja apenas uma ilusão, um desenho em perspectiva. A perspectiva não é mais do que um jogo geométrico que controla a nossa vista, “implicando uma gradação sistemática e hierárquica dos objectos no espaço”21 “As primeiras imagens virtuais surgem com a aplicação da perspectiva, reflectindo no papel ou no computador, a ilusão de profundidade.” que é, depois, reproduzida na retina do observador. O objectivo do projecto ou do estudo ditam então qual a melhor forma de representação, quais os pontos de observação, quais os espaços a destacar, qual a localização do observador etc. Um outro ponto de extrema importância nos nossos dias, no que à representação em perspectiva diz respeito, é o mundo virtual. Tanto a Arquitectura como a Cenografia se apoiam, cada vez mais, nas possibilidades oferecidas por este mundo que, apesar de não ser “palpável”, vai ganhando terreno à realidade. Normalmente, os desenhos elaborados à mão (que sem dúvida, representam uma realidade virtual) ficam um pouco aquém das possibilidades obtidas pelo desenho em computador no que ao tempo diz respeito (o computador permite elaborar desenhos muito próximos da realidade de forma muito mais rápida). 22 “A percepção visual é um processo extremamente activo em que o observador olha através da informação que lhe é facultada e constrói um visão que pode ser interpretada, que faça senso no mundo virtual.” No caso do uso do computador, estas imagens virtuais são, cada vez mais, ilusões muito próximas da realidade. Os instrumentos de trabalho de designers e arquitectos, que até meados do século XX, eram constituídos por réguas e canetas tornaram-se progressivamente objectos de segundo plano com o uso crescente do computador. A realidade virtual alterou drasticamente o modo de trabalho do arquitecto e também do cenógrafo. 23 A perspectiva permite comunicar ideias sobre espaços ou objectos concretos concedendo uma ilusão de terceira dimensão, o que permite que o objecto ou espaço se torne mensurável. 21 PINTO, Luís M., História da Percepção na Acção Projectual. Tese de Doutoramento, Universidade Portucalense, 2007. 22 Idem, ibidem. 23 Idem, ibidem. Nos Palcos da Arquitectura 40 Em Arquitectura é de extrema importância a maneira como se transmitem as ideias do projecto. Existem diversos graus de complexidade ao comunicar os pensamentos de acordo com o tipo de representação utilizada ou com as capacidades do comunicador, podendo-se recorrer a desenhos 3D ou 2D. Ao fazer uma perspectiva podemos optar pelo método tradicional, através dos instrumentos de desenho adequados, recorrendo a um ou mais pontos de fuga, etc. ou então, utilizar os modernos programas de desenho em computador. Imagem 2: Exemplo de Perspectiva realizada com auxilio do computador, Mariana Moleiro, 2006. Assim torna-se mais fácil explicar um projecto para que posteriormente este seja construído. Aqui, reside a grande diferença entre arquitectura e cenografia no mundo virtual. Mesmo que a Arquitectura recorra aos meios informáticos mais avançados para expressar as ideias do projectista, demonstrando um produto virtual muito próximo do que irá ser o produto final depois da sua construção, não é possível habitar espaços virtuais na verdadeira acessão da palavra. A fase de construção, a materialização do projecto, é essencial para que a Arquitectura seja interpretada como Arquitectura. Quanto à Cenografia verificamos, cada vez mais, que os espaços não têm de existir no plano material. A Cenografia sempre procurou representar a realidade dos intérpretes mas, nem sempre cria espaços onde é possível viver. São inúmeros os exemplos em teatro onde um plano bidimensional representa, através da perspectiva, um espaço tridimensional, um céu, uma cidade, uma floresta…de forma mais ou menos realista, com ou sem recurso ao computador. Nos Palcos da Arquitectura 41 Em televisão e cinema assistimos cada vez mais frequentemente à utilização de cenários virtuais que, por vezes, temos dificuldade em reconhecer que não existem na realidade devido às suas características naturalistas. Arquitecturas monumentais ou simples arquitecturas de interiores iludem o espectador menos atento que se deixa embrenhar pelo enredo e é transportado para o local da trama. A principal diferença para com a realidade é o facto de não se poder entrar nesse cenário, não se poder interagir com ele sem ser de forma virtual. Não esqueçamos, no entanto, que o mundo virtual, tanto em Arquitectura como em Cenografia, pode ser apenas um desenho em perspectiva elaborado por computador ou, pode também ser todo um modelo interactivo que permita explorar os espaços, sublinhando, mais uma vez, que isso apenas acontece de forma virtual. Em Arquitectura ao considerarmos um plano bidimensional que represente um objecto tridimensional que é, portanto, virtual, não poderemos considerá-lo Arquitectura uma vez que, para que passe a ter esse estatuto tem obrigatoriamente de existir uma componente material, real, palpável. Mas e no caso da Cenografia? Será que a “Arquitectura de espectáculo”, para obter o estatuto de Arquitectura, também terá de ser real e palpável? O mais importante a destacar é a experiência das pessoas. Na Arquitectura dita convencional as pessoas vivenciam, interagem, tocam e sentem os objectos. Já na Cenografia, o mais importante é que os intérpretes passem a mensagem de que aquela “Arquitectura”, aquela experiência que estão a transmitir é real. Não importa se, de facto, o público não pode interagir com essa Arquitectura. Interessa sim, que esta seja vista como real, que iluda o espectador e por isso, nesse caso, ela seria considerada Arquitectura. Estas considerações levantam-nos, então, outra questão. Como poderemos distinguir um modelo de Arquitectura convencional e um outro realizado tendo como objectivo o espectáculo? E o que dizer quando uma cenário imita uma Arquitectura previamente existente? Mais uma vez, a questão dependerá muito da sensibilidade do observador mas, ainda assim, poderemos concluir que a Realidade Virtual não é Arquitectura mas é Cenografia. Ao falar de Arquitectura, a Realidade Virtual será considerada o seu projecto, será portanto uma “ideia de Arquitectura”. Já no caso da Cenografia uma Perspectiva poderá ser um cenário, mesmo que este seja apenas virtual. Nos Palcos da Arquitectura 42 2. Arquitectura como Cenografia Nos Palcos da Arquitectura 43 2.1 Judiaria de Santarém Na primeira metade do século XIX consolidou-se em Portugal o poder da burguesia acabando, definitivamente, o Antigo Regime senhorial. Em Santarém, graças ao liberalismo, a Burguesia associada ao comércio, reforça o seu estatuto de proprietária, demonstrando que tem influência na sociedade e na economia. Enquanto isso, a Câmara propõe ao governo que fiquem para si as propriedades e edifícios da igreja. “A câmara de Santarém é a entidade promotora das reformas viárias e, consequentemente, a entidade expropriante” 24 que vai fomentar diversas modificações no espaço histórico da então vila, promovendo assim, a dinamização e modernização dos espaços. O caso particular que vamos estudar seguidamente, é a transformação (no centro histórico da cidade) da avenida que cruza a zona da antiga judiaria, numa importante alameda de moradias burguesas. Imagem 3: Vista geral da Avenida 5 de Outubro, Abril 2009 (foto de autor) 24 VIRTUDES, Ana Lídia, Transformações Urbanísticas Modernas sobre o espaço histórico de Santarém, Tese de Doutoramento, Universidad de Valladolid, Instituto Universitário de Urbanística, 2008. Nos Palcos da Arquitectura 44 Numa época em que o castelo já tinha perdido o seu carácter defensivo, passando a ser designado de jardim das Portas-do-Sol, ganhou relevância a sua ligação ao largo do Alporão, através da então designada Avenida do Conde do Alto Mearim. Esta qualificação, que se iniciou no começo do século XX (1907), consistiu em emendar o traçado da via, que posteriormente viria a ser designada de Avenida 5 de Outubro, o que implicou demolir parte das casas da antiga judiaria. Imagem 4: Avenida 5 de Outubro, década de 20; Fonte: Ana Virtudes, 2008 com base numa planta do Arquivo da Divisão de Gestão Urbanística e Ambiente da Câmara Municipal de Santarém, 192-?. Estas modificações trouxeram benefícios, principalmente, para os proprietários uma vez que, desta forma, poderão construir novos edifícios recebendo da Câmara a quantia referente às indemnizações por expropriação. Poderíamos antever que a Câmara nada tinha a ganhar com estas operações mas, se considerarmos que parte desta era representada pela classe burguesa, poder-se-ia então arriscar que a utilização dos dinheiros públicos está directamente ligada ao melhoramento da cidade burguesa. Como já foi referido, a requalificação da Avenida do Conde do Alto Mearim, implicou a demolição de algumas edificações de forma a garantir a divisão em “lotes Nos Palcos da Arquitectura 45 amplos e regulares”25 , de acordo com a proposta da nova alameda rectilínea e arborizada que faz a ligação ao Jardim das Portas-do-Sol. Desta forma, o bairro popular, situado na zona mais baixa da encosta, constituído por ruelas e travessas estreitas e sinuosas, com casas irregulares e construídas de forma desorganizada, ficaria ainda mais escondido do que já estava. Ganham assim destaque as novas habitações, modernas e apalaçadas, da classe burguesa. Imagem 5: Uma das grandes habitações Burguesas no inicio da Avenida 5 de Outubro, Abril 2009 (foto de autor) Neste processo de consolidação da cidade verifica-se claramente que a via serve de separação entre duas realidades sociais distintas. “A visível e cénica parte burguesa (da classe dominante) em contraste com a oculta e subjugada parte popular (das classes “subalternas”)”26 25 VIRTUDES, Ana Lídia, Transformações Urbanísticas Modernas sobre o espaço histórico de Santarém, Tese de Doutoramento, Universidad de Valladolid, Instituto Universitário de Urbanística, 2008. 26 Idem, ibidem. . Nos Palcos da Arquitectura 46 Imagem 6: Habitações populares na zona da antiga Judiaria, Abril 2009 (foto de autor) Este é um caso flagrante onde a Arquitectura tem também a função de cenário. Quando a avenida adquiriu uma posição de destaque com o evoluir da cidade, tornou-se necessário remodelá-la de acordo com os valores da sociedade da época. O seu traçado curvilíneo foi rectificado, a avenida foi alargada e foram plantadas linhas de árvores de ambos os lados da rua, como símbolo da sua ligação ao jardim. No lugar das antigas casas populares e desreguladas cresceram grandes palacetes burgueses construídos de maneira uniforme, de acordo com o traçado da via. O novo conjunto encobriu a zona do bairro popular exaltando as qualidades e riqueza da classe dominante como forma de impressionar, teatralizar o espaço e iludir os transeuntes. Imagem 7: Habitação burguesa com jardim, Abril 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 47 A pedra granítica, o ferro forjado ou o azulejo são, para além, da construção em tijolo, as materiais mais marcantes nas novas habitações. A nobreza destes materiais contrasta com as construções em tabique de grande parte das casas do bairro popular, a maioria em avançado estado de degradação. Mesmo no presente, verifica-se que o estado de conservação dos palacetes (mesmo alguns que não parecem ser habitados) é bom, apresentando sinais de trabalhos de manutenção recentes. Este é um facto que ajuda, mesmo no século XXI, a manter o carácter cenográfico do espaço. Imagem 8: Degradação de uma das ruas da Judiaria, Abril 2009 (foto de autor) Também as cores dos palacetes são mais variadas, em tons claros de rosa, verde, bege ou branco, enquanto que na parte da antiga Judiaria todas as habitações são de cor branca, a maioria com barras coloridas, amarelas ou cinzentas mas, cuja cor original é difícil de adivinhar. A luz é outro factor que concretiza o efeito de cenário nesta Arquitectura. A nova alameda é ampla e, por isso mesmo, muito mais luminosa do que as pequenas ruelas das habitações populares que criam entre si becos onde a luz do sol tem dificuldade em entrar. Nos Palcos da Arquitectura 48 Imagem 9 e 10: Escadaria de ligação entre a Avenida 5 de Outubro (numa cota superior) e a Judiaria, Abril 2009 (foto de autor) Na Avenida 5 de Outubro é ainda percepcionada uma sensação de salubridade transmitida pelos edifícios que, juntamente com as árvores formam interessantes jogos luminosos trazendo sombras frescas no Verão. É, no entanto, a questão da escala que confere uma maior teatralidade ao espaço. Os edifícios burgueses são monumentais quando comparados com os populares. As casas da antiga Judiaria são maioritariamente de rés-do-chão e primeiro andar sendo que algumas são apenas constituídas pelo piso térreo, com uma altura entre os três e os sete metros. Nos Palcos da Arquitectura 49 Imagem 11: Rua na antiga Judiaria, Abril 2009 (foto de autor) As habitações da Avenida são, maioritariamente, constituídas por três pisos. Por vezes ao passar na rua apenas é visível o nível do rés-do-chão (ainda assim, com um pé-direito muitíssimo superior aos edifícios da Judiaria) mas, muitas das habitações, desenvolvem-se também nas traseiras a uma cota inferior permitindo um maior número de pisos. Imagem 12: Jardim e palacete burguês, Abril 2009 (foto de autor) As portas e janelas são alguns dos elementos arquitectónicos cuja escala é muito superior à das pequenas habitações mas, existe ainda um outro elemento que marca estes espaços: os gradeamentos. Quer sejam portões, cercas, varandas ou apenas protecções das janelas, estes elementos em ferro ajudam a conferir monumentalidade ao espaço. No caso dos portões e cercas estes ocultam atrás de si grandes jardins, alguns empedrados outros arborizados. Nos Palcos da Arquitectura 50 Imagem 13 e 14: Pormenores de palacetes, Abril 2009 (foto de autor) Perante tão grande exaltação de monumentalidade, ostentação de riqueza e demonstração de poder, culminando num perfeito cenário da vida das classes ricas, o pequeno bairro popular é totalmente abafado e esquecido na malha da cidade onde uma vida popular resistiu a todo o espectáculo teatral da vida da Burguesia. Imagem 15: Travessa estreita de acesso à Judiaria, Abril 2009 (foto de autor) Concluímos assim, que a Arquitectura é um cenário. Apesar de, numa visão mais estrita, podermos dizer que este exemplo é muito mais do que mera Cenografia, pois contém em si as vivências das pessoas e da cidade em geral, o simples facto de ser uma realidade que oculta uma outra gerando uma sensação de riqueza que poderá não corresponder à verdadeira essência da vida da maioria das pessoas confere a este espaço um carácter cenográfico inegável. Nos Palcos da Arquitectura 51 2.2 Complexo de Mafra Em Portugal considera-se, de forma unânime, que o mais importante monumento do período Barroco é o Convento, a Basílica e o Palácio de Mafra, motivo que levou ao seu estudo. Esta obra mandada, construir por D. João V em 1711, surpreende o visitante pela sua grandiosidade e teatralidade próprias deste período. Construído sob um reinado absolutista, o complexo de Mafra supera em larga escala as necessidades básicas e funcionais da Arquitectura para se converter num “instrumento político (…) meio poderoso de propaganda”27 com uma importante “função representativa”. 28 O palácio conta com 666 divisões das quais se destaca a Biblioteca, das mais importantes no país, constituída por cerca de 40 000 livros, e a Basílica com os seus dois carrilhões de 92 sinos. Imagem 16: Fachada principal do palácio com a basílica ao centro, Abril 2009 (foto de autor) Não restam dúvidas que o principal destinatário deste empreendimento é o próprio monarca que, demonstra assim, a sua soberania através da criação desta encenação que só faz sentido no contexto de uma sociedade absolutista. 27 PIMENTEL, António, Arquitectura e Poder-O Real Edifício de Mafra, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, ISBN 972-24-1172-1. 28 Idem, Ibidem. Nos Palcos da Arquitectura 52 Apesar dos diversos conflitos gerados pelo absolutismo e da sociedade instável que daí decorreu houve sempre uma necessidade de demonstrar o controlo e coerência do governo. O mais importante não era o que de facto se passava na corte, ou as duras críticas e inúmeros problemas que o reinado de D. João V enfrentava mas sim, a aparência desta. Apesar dos evidentes sinais de protesto, por vezes violentos, que atemorizavam a governação de D. João V, a força e o poderio do Estado predominavam. “Ao longo de todo este período, com efeito, acumulam-se os sintomas de uma clara instabilidade social, que a imponente fachada do poder oculta com dificuldade…”29 Imagem 17: Pormenor da fachada principal, Maio 2009 (foto de autor) Mais do que pretender impor o seu poder no interior do país, era importante que Portugal se destacasse a nível europeu ficando a par das mais importantes nações como França ou Espanha e, para isso, a construção em Mafra do Palácio Real, da Basílica e do Convento serviria como ilustração do Poder além fronteiras. O Barroco recorre para isso a diversos mecanismos ou utensílios cénicos, que aplica de forma estratégica, para conseguir captar a atenção e garantir a adesão de novos súbditos atraídos pela sua grandiosidade concretizada na ostentação do luxo desmedido envolvendo o monarca num “halo de magnificência e pompa.”30 29 PIMENTEL, António, Arquitectura e Poder-O Real Edifício de Mafra, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, ISBN 972-24-1172-1. 30 Idem, Ibidem. Nos Palcos da Arquitectura 53 “(…) por isso o retrato barroco se concebe como uma fachada, ou como um palco, onde é sempre implícita a presença do espectador . No seu interior tem lugar, graças ao efeito mágico do cenário, a transposição da personagem retratada do nível individual ao alegórico, movimentando-se com à vontade num ambiente heróico, composto de panejamentos, balaustradas, colunas e dos atributos que o distinguem e ajudam a representá-lo, talvez não exactamente como é, mas como deveria ser ou, mesmo, como acredita ser.”31 31 PIMENTEL, António, Arquitectura e Poder-O Real Edifício de Mafra, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, ISBN 972-24-1172-1. O maior impacto causado por esta grandiosa construção resulta não só da contemplação da obra mas também, na vivência da sociedade que pretendeu servir. É muito importante oferecer à comunidade festividades em que esta possa participar em todo o espectáculo mantendo-a, ao mesmo tempo, distante da classe monárquica vista como superior e inalcançável. Para isso, vale o contributo da igreja cujo calendário festivo proporciona múltiplas possibilidades para a exibição da Corte que, muitas vezes, traz consigo as ordens militares e religiosas e as corporações do Estado. As razões que motivaram a construção de um complexo tão monumental são, no entanto, ambíguas mas dão como certa a perpetuação de um voto pelo rei D. João V. No entanto, a teoria mais consistente afirma que esse voto teria sido feito para obter sucessão. O rei estava casado à 3 anos sem descendência legítima e então, o monge, Fr. António de José, natural de Mafra e pertencente à província franciscana da Arrábida teria afirmado que o rei teria filhos quando quisesse e sugerido que D. João V prometesse a Deus construir um convento na vila de Mafra que logo teria sucessão. Nesse mesmo ano, no dia 4 de Dezembro, nasceu a infanta D. Maria Bárbara. Assim, D. João V decretou que seria erguido na vila de Mafra um convento a Nossa Senhora e Santo António que posteriormente seria entregue à Ordem dos Frades Arrábidos. O projecto inicial, cuja construção teve início em 1717 sob a direcção do arquitecto João Frederico Ludovice, sofreu variadas alterações até à data da sagração da Basílica em 1730. Nos Palcos da Arquitectura 54 Ainda antes do lançamento da primeira pedra, entre 1711 e 1717 ocorreu uma primeira alteração de planos onde os alicerces do futuro convento foram logo construídos prevendo uma construção para 80 monges e não os 13 do plano inicial. Esta ampliação foi, no entanto, progressiva. Primeiro, previam-se 13 monges, depois 40, 80, 200 e estabelecendo o número final em 300 frades. Por fim, o enorme edifício de 40 000 m2 acabaria por integrar ainda um Palácio Real. Começava então a delinear-se a envergadura da obra o que levou a que se duvidasse da razão que motivou a sua construção. O voto feito pelo rei pareceu a alguns libertinos como uma razão infantil, e fútil enquanto que, ao mesmo tempo, impressionava o seu povo, fortemente católico e de fé ingénua. Toda a espectacularidade da obra construída às custas do ouro vindo do Brasil não se cingiu, no entanto, ao grandioso complexo Barroco. Ao longo dos 13 anos de obras foram necessários mais de 45 000 trabalhadores dos mais variados ofícios que vieram de todo o país habitar naquela povoação improvisada em volta do monumento que ficou conhecido como Ilha da Madeira. Relatos da época mencionam ainda a presença de 7000 soldados no local e engarrafamentos nas estradas de acesso a Mafra. Imagem 18: Jardim no interior do palácio, Maio 2009 (foto de autor) Parecem não restar dúvidas de que o projecto inicial desta obra se deve ao arquitecto alemão João Frederico Ludovice que tinha vindo para Portugal como ourives em 1701. Nos Palcos da Arquitectura 55 No entanto, as constantes alterações, devidas a uma ambição cada vez maior por parte do rei, levariam a inúmeros contributos de outros arquitectos como Carlo Fontana, Thommaso Mattei ou Antonio Cannevari. De resto, é a este ultimo que se deve a construção “da cenográfica perspectiva do alçado principal da fachada da Basílica de Mafra, em que avultam as altaneiras e barrocas torres que só um discípulo de Bernini ou Fontana poderia delinear”32 . Devido ao avançado estado de construção o desenho da igreja, realizado por Ludovice, não sofreu grandes alterações procedendo-se apenas à sua ampliação. A sagração da Basílica deu-se a 22 de Outubro de 1730, no dia em que o rei celebrou 41 anos, apesar da obra estar longe de se encontrar concluída. O rei era extremamente religioso, com medo da morte e pretendia inaugurar a obra ainda no seu reinado. Como o seu aniversário calhava nesse ano de 1730 a um Domingo e a Basílica só poderia ser sagrada ao Domingo decidiu-se proceder à sua sagração nesse mesmo ano ainda sem a cúpula colocada e sem o tecto da sacristia. Nesta altura a construção do palácio encontrava-se ainda numa fase inicial devido às constantes alterações aos planos de construção. Imagem 19 e 20: Fachada da basílica e pormenor da cúpula, Abril e Maio 2009 (foto de autor) 32 PIMENTEL, António, Arquitectura e Poder-O Real Edifício de Mafra, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, ISBN 972-24-1172-1. Nos Palcos da Arquitectura 56 A esta cerimónia, presidida pelo Cardeal Patriarca D. Tomás de Almeida, assistiram toda a família Real, Corte e representantes de todas as Ordens, assim como, cerca de 20 000 pessoas, exceptuando os 45 000 funcionários. Nesta festa, com a duração de 8 dias, foram pela primeira vez ouvidos os carrilhões da Basílica, ainda que não estivessem ainda a funcionar em pleno. A fachada principal do edifico é constituída pelo palácio assim como todo o último andar circundando, portanto, todo o complexo, incluindo a zona por cima do convento. É importante realçar que o convento se situa por baixo do palácio e numa zona de traseiras de uma forma simbólica significando que o poder temporal está por cima do poder espiritual. A fachada principal é ainda marcada pelo corpo da igreja ao centro e, sendo todo o último piso palácio, pode-se observar a existência de uma sala que é uma continuidade da igreja dentro do palácio, o que permite ao rei aparecer à janela para saudar o povo ou assistir à missa sem sair dos seus aposentos. Encontramos aqui um importante elemento cenográfico: o rei, com a igreja por trás, aparecendo aos fiéis numa clara alusão ao papa na praça de S. Pedro no Vaticano. Imagem 21: Vista da basílica a partir da sala do palácio, Abril 2009 (foto de autor) Para a construção da Basílica o rei encomendou 58 estátuas de grandes dimensões e, com a preocupação que chegassem nas melhores condições mandou abrir um braço de rio Tejo até Santo Antão do Tojal, chegando ao ponto de as mandar amortecer não com palha mas sim, com lã. Estas não iriam, no entanto, Nos Palcos da Arquitectura 57 chegar a tempo da sagração da Basílica assim como os carrilhões que chegam em Setembro de 1730 e que portanto não estariam instalados a tempo das celebrações. Imagem 22: Pormenor do carrilhão, Maio 2009 (foto de autor) Em termos cenográficos, destaca-se ainda no exterior da basílica, a sua fachada flanqueada por duas torres campanárias onde se encontram os dois grandes carrilhões vindos da Antuérpia e um pórtico de três arcos e duas portas visando provocar no espectador uma sensação de impacto, de esmagamento, de intoxicação. A basílica é a expressão de um espaço sem limites, em que não há lado de fora, mas simplesmente uma sucessão de dobras, que se desdobram e voltam a dobrar numa sucessão sem fim. O interior da igreja, com forte influência clássica, é de uma nave decorada com mármores de várias cores sendo o espaço marcado pela alta abóbada de berço e cruzeiro. Imagem 23: Vista do interior da Basílica (à direita são visíveis as obras de recuperação dos órgãos), Maio 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 58 A Capela-mor alonga-se em profundidade e tem a valorizar a estrutura das suas formas a luz recebida do zimbório, que é um dos elementos arquitectónicos de maior imponência na edificação, também enriquecido pelo brilho e a cor dos mármores que o revestem interiormente. O exterior do zimbório é de traçado octogonal, com uma cúpula em mármore branco que finaliza com um elegante lanternim. Imagem 24: Cúpula e lanternim (tapado com madeira), Maio 2009 (foto de autor) O Barroco é um período dirigido aos sentidos e não à razão e para isso, mobiliza todos os recursos da retórica, todos os artifícios que podem agir sobre as mentalidades e é na basílica que isso se verifica de forma mais marcante. A religião desempenha um importante papel no controlo das sensações dos fiéis. Aliada à questão visual do espaço, os incensos apelavam ao olfacto enquanto que os 6 imponentes órgãos de tubos impressionavam a audição demonstrando o poderio da igreja e de Deus na época da contra-reforma. Imagem 25: Um dos órgãos de tubos, Abril 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 59 O convento, que acabou por ter a capacidade de albergar 300 frades, começou por ser um modesto projecto para 13 franciscanos, onde o número 13 surge simbolicamente ligado ao dia de santo António. O voto de pobreza é um dos factores que caracteriza esta ordem religiosa mas, ao contrário do que seria de esperar, o convento que foi construído revela demasiada ostentação de luxo ficando muito longe do estritamente necessário para a vida religiosa. O rei com a sua ambição crescente construiu um edifício de dimensões espectaculares, empregando materiais nobres nas salas mais importantes do convento. Nesta parte do conjunto de Mafra funciona no presente a Escola Prática de Infantaria que vai procedendo à manutenção do convento embora este se encontre, em algumas zonas, bastante descaracterizado. Em relação ao seu carácter de cenário achamos importante destacar a Sala do Capítulo, barroca por excelência. Toda a sala é revestida a pedra mármore e impressiona pelas suas dimensões. A sua forma permite obter uma acústica perfeita para a leitura do capítulo pois são formados 2 focos essenciais em lados opostos da sala de onde se pode comprovar a facilidade em transmitir uma ideia a toda a sala. O rei tem ainda a possibilidade de assistir a estas leituras, sem pedir autorização aos frades, através de uma varanda do palácio que dá directamente para a sala. Uma outra característica particular desta sala é a sua iluminação difusa, feita a partir de janelas a uma cota elevada que ladeiam a sala acentuando o seu carácter de imponência e sobriedade. Imagem 26: Sala do Capítulo, Maio 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 60 Imagem 27: Sala do Capítulo, varanda do rei, Maio 2009 (foto de autor) Quanto ao refeitório e cozinha o mais importante a salientar é a sua escala. As dimensões quer em planta, quer o pé-direito são espectaculares ficando um pouco distantes do recato e pobreza desejados na ordem franciscana. Mais uma vez, a pedra é o material que caracteriza o espaço de forma mais marcante. Imagem 28: Refeitório do Convento, Maio 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 61 Imagem 29: Cozinha do Convento (utilizada actualmente pela EPI), Maio 2009 (foto de autor) O espaço da Biblioteca impressiona pela sua extensão e quantidade de livros que armazena, a grande maioria deles encomendada pelo próprio D. João V. O espaço com o chão em pedra mármore rosada exalta a riqueza do espaço assim como as estantes em madeira trabalhada. Desde o início da construção que a sala estava destinada a biblioteca, embora as estantes só tenham sido construídas muito tempo depois. Os livros foram inicialmente guardados em duas salas do convento com bibliotecários distintos. Depois do terramoto de 1755 a biblioteca foi entregue à ordem dos Agostinhos que era riquíssima e mandou assim construir as estantes, entretanto, por ordem da rainha D. Maria I, os Agostinhos saem do convento e regressam os Franciscanos que não tiveram posses para revestir as estantes a folha de ouro como estava inicialmente previsto. Imagem 30: Biblioteca, Maio 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 62 Imagem 31: Biblioteca, Maio 2009 (foto de autor) O palácio é grandioso no seu conjunto. Todas as divisões sem excepção demonstram o tipo de sociedade em que foi construído espelhando assim uma vida baseada na aparência e na ostentação do luxo. O pé-direito das salas é muito superior à escala humana chegando a causar algum desconforto aliado ao frio dos mármores de tons claros utilizados. Imagem 32: Sala de troféus, Maio 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 63 A Sala de Audiências, também designada Sala do Trono, destinava-se às recepções de gala e encontra-se totalmente revestida de pinturas murais, executadas nos princípios de oitocentos por Domingos António de Sequeira e Cirilo Wolkmar Machado. Esta sala ainda mais do que as outras divisões, tem um carácter cenográfico acentuado. A sua função é apenas receber em audiência e ninguém, a não ser o rei, se pode sentar, daí o seu reduzido mobiliário. A sala vazia acentua a grandiosidade do espaço assim como as pinturas já faladas que recorrem à ilusão em “trompe l'oeil” existindo inclusivamente algumas portas falsas desenhadas numa tentativa de tornar o espaço simétrico. Imagem 33 e 34: Sala do trono, Maio 2009 (fotos de autor) Por fim, destacamos a Sala da Bênção ou Casa de Benedictione, situada ao meio da galeria principal, é uma das mais imponentes do Palácio, medindo cerca de 26 metros de comprimento. Está revestida de mármores de variados tons da região de Pêro Pinheiro, apresenta uma abóbada cilíndrica e apainelada, e as paredes ornamentadas com pilastras dóricas e molduragens. Nesta sala, ficavam as tribunas reais, de onde a família real assistia à missa através das três janelas que dão para o interior da igreja. “(…) A pedra. Era uma laje rectangular enorme…tem de comprimento trinta e cinco palmos, de largura quinze, e a espessura é de quatro palmos, e para ser completa a notícia, Nos Palcos da Arquitectura 64 depois de lavrada e polida, lá em Mafra, ficará só um pouco mais pequena…e quando um dia se acabarem palmos e pés por se terem achado metros na terra, irão outros homens a tirar outras medidas e encontrarão sete metros, três metros, sessenta e quatro centímetros, tome nota, e porque também os pesos velhos levaram o caminho das medidas velhas, em vez de duas mil cento e doze arrobas, diremos que o peso da pedra da casa a que se chamará de Benedictione é de trinta e um mil e vinte e um quilos, trinta e uma tonelada em números redondos (…)”33 Imagem 35: Sala da Bênção, Maio 2009 (foto de autor) Será ainda importante realçar os terraços deste monumental edifício cuja vista permite ver toda a vila de Mafra e, inclusivamente, o palácio da Pena. O visitante apercebe-se melhor da grandiosidade de todo o complexo a partir deste ponto mais alto pois, pode assim, ver todo o palácio, mosteiro, zona de biblioteca e basílica conseguindo uma visão realista da extensão da construção. 33 SARAMAGO, José, Obras de José Saramago, Volume III- Memorial do Convento, 1982, Lello & Irmão- Editores, Porto. Nos Palcos da Arquitectura 65 Imagem 36: Vista do terraço (ao centro encontra-se a biblioteca), Maio 2009 (foto de autor) Poderemos ainda destacar uma outra característica que torna esta Arquitectura, num Cenário. De uma forma mais directa, sem ilusões ou tentativas de esconder uma realidade o palácio foi palco das mais variadas peças teatrais para a realeza. “Na verdade, o Palácio é, acima de tudo, o cenário da festa elemento central da vivência Barroca -, servida por uma sensibilidade de cunho eminentemente teatral…”34 34 PIMENTEL, António, Arquitectura e Poder-O Real Edifício de Mafra, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, ISBN 972-24-1172-1. No presente, o palácio continua a servir de “palco” para inúmeras produções. José Saramago, por exemplo, tornou num romance a construção do monumento no seu “Memorial do Convento” enquanto que diversos realizadores de cinema também se serviram do palácio para retratar o século XVIII em produções como “As Viagens de Gulliver ou “A Filha de D´artagnan”. Nos Palcos da Arquitectura 66 2.3 Habitar Torres Vedras Es(paço) Real Este projecto partiu de uma iniciativa da Câmara Municipal de Torres Vedras e teve como objectivo promover e trazer vida ao centro histórico da cidade. Numa parceria com vários arquitectos locais foi feita uma proposta de intervenção das divisões de uma casa emblemática da cidade, a denominada “casa do castelo”, que tinha sido no século XV, Paço Real, junto à entrada do castelo de Torres Vedras. A habitação, actualmente com características do século XIX, encontrava-se devoluta e graças a esta reabilitação pôde “ganhar vida” e ser visitada como uma exposição interactiva. Este exemplo surgiu por acaso ao assistir a uma conferência promovida pela Universidade da Beira Interior mas, atendendo a que decorreu durante a elaboração desta tese revelou-se de acrescido interesse, constituindo uma peça fundamental para completar o estudo da Arquitectura como Cenografia. À partida, o facto de se tratar de um caso de intervenção do espaço arquitectónico, ainda que apenas do seu interior, levou a que se inserisse este exemplo no capítulo da “Arquitectura como Cenografia”. Não é, no entanto, um exemplo banal. A intervenção nestes espaços pode ser considerada, por alguns, como um mero exercício de design. Ainda assim, o facto de ocorrer uma transformação e recriação dos espaços de um interior arquitectónico leva a crer, logo desde início, que esta intervenção é Arquitectura. Cada arquitecto (ou atelier de arquitectos) recebeu o desafio de intervir numa divisão da casa recriando o espaço e preenchendo-o de uma forma livre. Em regra, todas estas intervenções apresentadas constituem um exemplo de Cenografia. Em primeiro lugar, esta é uma recriação limitada no tempo, as vivências que recebe são somente dos visitantes e apenas durante um mês, depois a habitação irá voltar ao seu aspecto inicial o que constitui uma forma de espectáculo: existe uma criação com um determinado objectivo naquele período de tempo que consiste em trazer pessoas à exposição e transmitir-lhes sensações. Depois verificou-se que a forma de transformar os espaços está sempre ligada a um conceito, a um sentimento e pretende-se sempre criar uma ilusão ou transmitir Nos Palcos da Arquitectura 67 uma sensação apresentando o edifício de uma forma diferente da realidade de habitação a que se destina. Para melhor perceber estas constatações foram escolhidas duas divisões da habitação onde o seu carácter cenográfico é mais evidente. Em primeiro lugar, a zona do átrio e o corredor. O primeiro destaca-se nas suas proporções, luminosidade e na sua importante relação com o exterior. O corredor, ao contrário da riqueza e agrado transmitido pelo hall, revelou-se demasiado escuro e triste, encerrado em si mesmo. Segundo o Arquitecto Manuel Lema Barros35 esta intervenção ao nível do átrio e do corredor baseia-se no conceito de espaço de transição, de chegada e de percurso, transportando o visitante de um espaço exterior público para um interior cujas características são bastante particulares. Assim, recorrendo a um número limitado de elementos (devido a imposições económicas) foram criadas duas situações distintas: a zona de entrada e a zona do espaço de percurso, apelando assim a uma diferença sensorial com o objectivo de promover o sentido da descoberta. Imagem 37: Átrio de entrada, fonte: imagens cedidas pelo atelier lema barros + castelo branco arquitectos Imagem 38: Corredor, fonte: imagens cedidas pelo atelier lema barros + castelo branco arquitectos 35 Conversa com o Arquitecto Manuel Lema Barros no dia 18 de Maio de 2009 Nos Palcos da Arquitectura 68 Quanto ao átrio, a instalação consiste na colocação de fitas multicores suspensas que tiram partido das diferentes entradas de luz, preenchendo o espaço de forma colorida. Revelando-se no exterior, as fitas preenchem o espaço e o momento de entrada na casa. São uma forma de trazer alegria ao momento da entrada e, ao mesmo tempo, criar uma barreira imaginária que separa o espaço público e o privado criando ainda um efeito de surpresa. O corredor tem uma função de distribuição para os vários compartimentos da casa. Deste modo, a instalação consiste em sugerir a centralidade introspectiva do espaço, recorrendo para isso a um cortinado translúcido envolvendo todo o corredor. No tecto, para trazer mais claridade destaca-se um fio ziguezagueante branco que desenha e fixa os diversos movimentos de possíveis trajectos num corredor. O espaço adquire a assim um carácter puro e tranquilo unificando todas as partes e reforçando o seu carácter âmago a parir do qual se descobrem os outros espaços da casa. Nesta intervenção têm ainda um importante papel as lâmpadas de led´s suspensas por detrás dos cortinados que alternam de cor transfigurando o corredor com diferentes matizes e cambiantes que, mais do que simbolizar o palpitar do coração (da casa) à medida que as cores mudam, confere diferentes características ao espaço. O segundo compartimento estudado diz respeito a um dos quartos da habitação onde foi introduzido um elemento escultórico. O conceito desta instalação pretende transmitir movimento ao mesmo tempo que se preenche o espaço, tendo como ponto de partida o elemento linha, considerado o fio condutor da Arquitectura. Assim, uma linha contorcida define um percurso visual que começa no chão e, ao tocar a parede, ganha uma forma tridimensional que “constitui a arquitectura”36 36 Conferência “Habitar Torres Vedras (Es)paço Real”, Universidade da Beira Interior; . Nos Palcos da Arquitectura 69 Imagem 39: Elemento Escultórico, fonte: imagem cedida pelo atelier aspmmarquitectos O objecto criado é constituído por uma mesa e um banco, virados para a janela, o que permite ao visitante encontrar um espaço convidativo onde pode permanecer, usufruir e sentir o espaço envolvente. Uma outra característica importante desta criação é o facto de o objecto transpor os limites da sala. Este passa sobre a entrada e sai pela janela, assim, o visitante no exterior toma conhecimento que foi feita uma alteração naquele espaço, convidando assim à sua descoberta. Imagem 40: Elemento Escultórico, fonte: imagem cedida pelo atelier aspmmarquitectos Imagem 41: Elemento Escultórico visto do exterior, fonte: imagem cedida pelo atelier aspmmarquitectos Nos Palcos da Arquitectura 70 Nestes dois casos cabe, em primeiro lugar, ao espectador conferir a estas instalações o nome de Arquitectura. De um ponto de vista restritivo, a Arquitectura tem de ser uma construção de um espaço habitável e, neste caso, o espaço que se consideraria Arquitectura já existia. Ainda assim, estas intervenções podem ser consideradas como arquitecturas dentro da Arquitectura pois são uma intervenção que modifica o espaço. A partir do momento em que se cria, preenchendo o espaço com volumes, estamos a fazer Arquitectura e, um outro factor importante é que estas criações incluem e prevêem a presença e interacção com o público, não sendo por isso, meros cenários. Quanto ao carácter cenográfico dos espaços, sem dúvida que estamos em presença de um exemplo de Cenografia pois há uma intenção dos arquitectos em controlar e causar determinadas sensações no público, camuflando a essência original da habitação criando um novo ambiente que, no final da exposição, voltará à sua condição original. Nos Palcos da Arquitectura 71 3. Cenografia como Arquitectura Nos Palcos da Arquitectura 72 3.1 West Side Story Com o objectivo de explorar a vertente da Cenografia ligada ao espectáculo procurou-se um exemplo onde fosse constatada uma forte ligação à Arquitectura, ou até mesmo, onde se concluísse a existência de uma Arquitectura cenográfica. Surgiu a oportunidade de assistir ao musical de Filipe La Féria “West Side Story”, em exibição no Teatro Politeama em Lisboa, que se verificou riquíssimo em termos cenográficos, apresentando variados tipos de cenários que se movem estrategicamente durante todo o espectáculo. Imagem 42: Cena de West Side Story, fonte: http://westsidestory.pt/ Imagem 43: Pormenor do cenário, Maio 2009 (foto de autor) Nos Palcos da Arquitectura 73 “West Side Story” revelou-se um estrondoso êxito na Broadway revolucionando o musical através das composições de Leonard Bernstein e coreografia de Jerôme Robbins e chegou agora a Portugal de forma adaptada mas, ainda assim, fiel ao seu original americano. A história deste musical tem por base o clássico de William Shakespeare “Romeu e Julieta” que é reproduzido na cidade de Nova Iorque explorando a rivalidade entre duas comunidades de bairros ocidentais que acolheram o fluxo de emigrantes que chegados aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor. O jovem protagonista, Tony, pertencente a um gang americano denominado de Jets, apaixona-se por Maria, irmã do seu rival porto-riquenho, líder do gang Sharks rival ao seu. Em síntese, este musical centra-se nos problemas sociais decorrentes da partilha do mesmo espaço por diferentes comunidades tendo presente a tragédia shakespeariana. O cenário apresentado recria o ambiente de um gueto no final da década de 50 apresentando logo no início uma visão geral da cidade de Nova Iorque, com a ponte de Brooklyn e os arranha-céus no horizonte definidos pelo contraste das luzes. Imagem 44: Cena de West Side Story, fonte: http://westsidestory.pt/ No tabuleiro da ponte circulam durante todo o espectáculo, de forma aleatória, carros automatizados que, devido ao seu desenho e escala não constituem réplicas próximas da realidade mas que, ainda assim, são um importante elemento que dá vida a toda a “cidade imaginária”. È exactamente o ruído do trânsito que dá início à peça captando a atenção dos espectadores ainda antes dos actores entrarem em palco. Nos Palcos da Arquitectura 74 À primeira vista, e ainda vazio, o palco impressiona pelo simulado ambiente de gueto urbano, ladeado por edifícios revestidos a tijolos vermelhos. Depois à medida que avançamos no musical, seguem-se vários cenários que acompanham os actores durante as diferentes cenas e que variam desde um campo de basquetebol, um ginásio ou uma simples parede em tijolo que descem ao palco de forma motorizada. É ainda importante destacar uma loja de costura que se eleva através do fosso existente sob o palco e, também, as diferentes formas que as fachadas, aparentemente fixas e sempre presentes em palco, vão assumindo. À excepção do muro (fachada em “tijolo”) que surge duas vezes em todo o espectáculo e que cobre por completo o plano de fundo, todos os outros cenários estão ligados à ponte, ao rio por baixo desta, aos carros e à cidade que, através da Escala criam uma ilusão de profundidade que nos transpõe para o local da cena. Imagem 45: Cena de West Side Story, fonte: http://westsidestory.pt/ O campo de basquete dificilmente será visto como uma simulação uma vez que é constituído por uma rede de arame de 10 metros de largura por 4 de altura e duas tabelas que são utilizadas para a sua função real. Por trás fica a cidade, a ponte, e o rio que, juntamente com um importante jogo de luzes conferem ao espaço um ar sombrio e cinzento próprio de um beco urbano. O facto de as cenas no campo de basquete se desenrolarem à noite ajuda a conferir uma sensação de marginalidade nos subúrbios da grande cidade que se vê no horizonte com os seus grandes arranha- céus iluminados sob um céu que alterna entre o azul muito escuro e o vermelho próprio das luzes da cidade. Nos Palcos da Arquitectura 75 Quanto à fachada que constitui o ginásio, é graças às suas portadas que tomamos contacto com o “mundo exterior”, o que nos leva a crer que o espaço criado é uma arquitectura de interior e que existe uma “vida” para além do que estamos a ver. Imagem 46: Cena de West Side Story,- ginásio com a cidade ao fundo, fonte: http://westsidestory.pt/ Um elevador hidráulico posicionado ao centro do palco com 10 metros por 10 metros eleva o cenário da loja de costura até ao palco. Este cenário é maioritariamente elaborado com contraplacado mas conta também com uma parede em vidro colorido. O espaço criado não tem as restantes paredes mas o facto de estar limitado com cores diferentes e de, ao nível do rés-do-chão estar coberto por um tecto, dá a ilusão de uma verdadeira loja. Imagem 47: Cena de West Side Story,- loja de costura, fonte: http://westsidestory.pt/ Nos Palcos da Arquitectura 76 Imagem 48: Cenário da loja de costura, Maio 2009 (foto de autor) Quanto à ponte de Brooklyn, de perto, podemos verificar que é realizada em madeira de contraplacado pintada de um tom de azul bastante distante da realidade bem mais cinzenta. No entanto, devido à constante presença das diferentes cores da luz os tons da ponte variam ao longo do musical, na maioria das vezes, tornando-se mais escura e com aspecto metálico. Imagem 49: Cenário ponte da ponte de Broklyn e da cidade, Maio 2009 (foto de autor) Em termos de Arquitectura, sem dúvida, que o elemento mais importante (e também o mais marcante para o musical) são as fachadas dos prédios. Estas foram realizadas em esferovite envernizada e pintada. Para o público que assiste ao espectáculo torna-se difícil lembrar de que por trás das fachadas não existe nada, Nos Palcos da Arquitectura 77 apenas uma estrutura semelhante a andaimes metálicos que segura as paredes e permite o acesso aos actores. Imagem 50: Traseiras das fachadas dos prédios, Maio 2009 (foto de autor) Imagem 51: Cena de West Side Story- fachadas dos prédios fonte: http://westsidestory.pt/ São variadas as situações onde os intérpretes recorrem ao cenário interagindo com ele. Algumas cenas desenrolam-se nas varandas dos prédios demonstrando a sua solidez e funcionalidade permitindo ainda verificar que a escala se aproxima da realidade. A questão do tamanho dos objectos é um importante factor que aproxima a Cenografia da Arquitectura. Neste caso, o facto do tamanho das fachadas principais ser fiel à realidade da Arquitectura, ajuda a transmitir uma sensação de estarmos perante um verdadeiro bairro ou gueto, com as suas habitações e vivências. Numa Escala mais pequena, a ponte e os prédios ao fundo conseguem transmitir uma sensação de lonjura. Cria-se assim, através da perspectiva aliada à escala, a ilusão de que o cenário é muito mais profundo do que parece, ou antes, gera-se uma sensação de cidade real no horizonte, distante do gueto suburbano onde se desenrola a acção. Nos Palcos da Arquitectura 78 Imagem 52: pormenor da fachada, Maio 2009 (foto de autor) Imagem 53: Cena de West Side Story, fonte: http://westsidestory.pt/ Para este musical é ainda de extrema importância o papel da luz. Para além de nos fornecer indicação sobre a hora do dia, através da iluminação da cidade ao longe numa composição que culmina com os reflexos dos arranha-céus e da ponte no rio, a luz é utilizada para iluminar o “interior” dos prédios em tijolo. Assim, é transmitida ao público a ideia de que poderá existir vida no interior das habitações. O tipo e intensidade da luz são também utilizados jogando com as sensações das pessoas. Tal como em Arquitectura, quando estamos perante um espaço mal iluminado sentimos alguma insegurança, enquanto que as várias tonalidades de luz do interior dos prédios, variando entre o amarelo, o cor-de-laranja e ainda o cinzento transmitem uma sensação de conforto próprios das habitações. Imagem 54: Cena de West Side Story, fonte: http://westsidestory.pt/ Nos Palcos da Arquitectura 79 Quanto ao uso da cor, para além das já mencionadas tonalidades da iluminação, é importante destacar que as cores utilizadas pretendem simular a realidade dos prédios com fachadas em tijolo da cidade de Nova Iorque. Quanto aos interiores simulados, as cores são vivas e luminosas mas perfeitamente passíveis de ser utilizadas na realidade. Na cena, o belo tem que ser antes necessário. A característica essencial do cenário é que ele seja funcional, prático. Essa funcionalidade, no entanto, vai depender de outra característica básica da cenografia: a sua afinação com o conjunto do espectáculo. Neste musical esta é uma característica evidenciada pois as cenas exigem grande coordenação por parte dos actores e, muitas vezes, os cenários são essenciais para que a cena se realize permitindo que os actores “vivenciem” o espaço. É notável a ligação dos cenários com o texto e o interesse que este desperta no público transmitindo um entendimento entre todos os aspectos como áreas de actuação, actores e luzes cuja articulação resulta num todo: o espectáculo. Como já foi mencionado anteriormente, o cenário, não deve ser tido como a peça essencial de um espectáculo. Deve ser um complemento ao enredo mas não deve captar em demasia a atenção do público. De facto, este musical permite que, logo no início, ainda antes de os actores entrarem em cena, o público contemple o cenário durante algum tempo para que, posteriormente, se dedique toda a atenção ao enredo. O facto de em muitas cenas os actores interagiram com os próprios elementos cénicos não traz mais importância ao cenário no sentido em que não tira destaque aos personagens. Este é um complemento à acção, e cumpre o seu objectivo de ser interpretado como um mundo real. Então, será que poderemos considerar que esta Cenografia em particular é Arquitectura? Os cenários do “West Side Story” constituem para o espectador elementos de Arquitectura real. No desenrolar do espectáculo o público é levado a crer que está na presença de fachadas reais, que ocultam atrás de si vidas reais. Mesmo em situações em que são apenas recriados interiores arquitectónicos o importante é que naquela situação, no enredo da peça, os elementos cenográficos iludem o espectador levando- o a crer que está na presença de elementos arquitectónicos reais. Poderemos concluir Nos Palcos da Arquitectura 80 então que, caso a audiência interprete os espaços como autênticos, então estaremos na presença de Arquitectura. Imagem 55: Cena de West Side Story, fonte: http://westsidestory.pt/ Uma outra questão em que se pode concluir que Cenografia é Arquitectura tem a ver com uma teoria mais abrangente. Neste caso, o simples facto de haver uma transformação do espaço, um preenchimento do espaço através dos volumes da ponte, dos prédios, etc., faz com que esta intervenção seja considerada Arquitectura. Mas, ainda assim, poderemos chegar a um conclusão diferente. A Arquitectura pode inspirar-se na Cenografia e vice-versa. Podemos considerar que estes cenários se inspiraram na realidade urbana nova-iorquina e que são uma simulação da realidade. São cópias da Arquitectura dita real e, por isso, não poderão ser considerados Arquitectura. Por outro lado, podemos considerar que estes cenários são um meio para inspirar e influenciar arquitectos para novas construções, também elas ditas reais. Assim, poderíamos concluir que a Cenografia é um fingimento da Arquitectura enquanto que, a Arquitectura concretiza o que a Cenografia apenas aparenta. Nos Palcos da Arquitectura 81 Conclusão Arquitectura e Cenografia são duas disciplinas que formam entre si uma estreita ligação através de conceitos que lhes são comuns, da forma como se concretizam e dos seus objectivos, também eles, intimamente ligados. A questão essencial colocada logo desde início é determinar se a Arquitectura é ou não um cenário e, inversamente, se um cenário poderá ser considerado Arquitectura. Através dos tópicos estudados e dos exemplos apresentados pretendemos formular uma crítica em que se concluísse qual a forma como as duas disciplinas estão interligadas e quais as bases que justificam essa ligação. As pesquisas efectuadas levaram desde logo a crer que Arquitectura pode ser um cenário e portanto um cenário também pode ser considerado Arquitectura mas, a questão revelou-se bastante mais complexa. Ainda antes de se abordarem exemplos concretos, são diversas as questões suscitadas pela exploração dos conceitos chave embora nem sempre se consiga dar uma resposta objectiva. O mais acertado a dizer é que todos estes conceitos podem gerar diferentes reacções dependendo da sensibilidade do espectador. Em primeiro lugar poderemos concluir que a Arquitectura necessita da sua vertente material para ser entendida como tal mas que o cenário, pelo contrário, pode não passar de uma ilusão em 2D e ainda assim ser considerado Cenografia. Reside aqui uma diferença substancial entre Arquitectura e Cenografia. Na primeira é necessário existir uma interacção com o espaço na verdadeira acessão da palavra. A Arquitectura tem de ser tocada, vivenciada, tem de ser palco para a experiência da vida. Na Cenografia, no entanto, a questão é vista de forma diferente. A vida dá lugar a toda uma encenação teatral, a uma vida simulada. Em qualquer tipo de espectáculo o importante no seu cenário é que responda eficazmente às necessidades dos actores, dançarinos, músicos…O espectador não interage com esse cenário por isso, muitas vezes, é criada uma falsa aparência de realidade. Os espaços (re)criados pela Cenografia servem apenas para o momento do espectáculo e pretendem passar uma imagem para o público. Estes espaços só serão considerados Arquitectura caso a audiência assim o entenda. Se determinado enredo levar o espectador a acreditar na veracidade do espaço cenográfico, e estes o interpretarem como Arquitectura, então a Cenografia é Arquitectura. Nos Palcos da Arquitectura 82 Se alguns objectos como estátuas ou interiores arquitectónicos são considerados Arquitectura, então, se um espectáculo recorrer a estes objectos, e caso eles sejam bem reproduzidos, de acordo com o objectivo da representação, não resta senão concluir que eles também irão ser vistos como Arquitecturas reais. Ainda assim, desde crianças que somos levados a acreditar e nomear as coisas pelas imagens que vemos delas, mesmo que sejam meras representações. Em Arquitectura é comum recorrer-se ao estudo de edifícios através das suas imagens e desenhos e não se pensa que apenas se está a visualizar uma representação. Para quem vê a imagem, ela representa Arquitectura. No entanto, não nos podemos esquecer de que esta é apenas uma imagem. Como nos diz Kester Rattenbury37 , uma imagem de Arquitectura não pode soar inteiramente verdadeira. Por exemplo, uma fotografia do pavilhão de Barcelona é vista por todos como um importante exemplo de Arquitectura moderna e, tal como o cachimbo de Margritte, a representação ganha aqui destaque, sendo quase mais importante do que o objecto em si mas, ainda assim, não é real. Imagem 56: Margritte, “Ceci n´est pás une pipe”, fonte: http://luthorblog.com/ No caso da Arquitectura poder ser vista como Cenografia poderemos dizer que se as construções pretenderem de alguma maneira iludir o espectador estaremos na presença de um cenário “real”. A Arquitectura pode ser considerada uma Cenografia materializada e vivenciada por todos mas que, ainda assim, pode ter como característica essencial 37 RATTENBURY, Kester, This Is Not Architecture, Routlege- Taylor & Francis Group, Londres, 2002, ISBN 0-203-99412-4; Nos Palcos da Arquitectura 83 controlar as sensações das pessoas ou criar algum tipo de ilusão transformando a realidade. Pressentimos então, que a Arquitectura funciona muitas vezes como a “realidade da Cenografia” enquanto que a Cenografia apenas “finge” o que a Arquitectura é. Os exemplos estudados posteriormente ajudaram a colmatar esta ideia dando-lhe corpo, justificando-a. Em relação à Arquitectura pretendeu-se saber quais os estratagemas a que esta recorre, nos dois primeiros casos estudados, para se tornar espectacular, grandiosa e iludir meros transeuntes ou, até mesmo, as pessoas que vivenciam os espaços. No último caso, a situação é um pouco diferente pois não se verifica o carácter de grandiosidade dos primeiros. Nesta fase, tornou-se importante poder interagir com os espaços e, por isso, os exemplos escolhidos são possíveis de visitar para que algumas conclusões se tirem pessoalmente e, não apenas de livros. Em primeiro lugar, surge o estudo dedicado à Judiaria de Santarém onde os factores abordados são essenciais para constatar o carácter cenográfico dos espaços concluindo que a Arquitectura pode ser sinónimo de Cenografia. A análise dos materiais e a constatação da grandiosidade das construções por contraste com as pequenas habitações populares permitiu obter dados concretos que permitem afirmar que a Arquitectura funciona aqui como Cenografia. Há ainda uma pequena componente histórica aliada a este exemplo que ajuda a explicar a evolução do espaço. A contextualização histórica torna-se, no entanto, fulcral no segundo caso de estudo, o Complexo de Mafra. Não faria sentido estudar somente a Arquitectura destes espaços sem antes se proceder ao estudo da sociedade que levou à sua construção. A sociedade Absolutista da época e o período do Barroco que lhe está associado é um dos factores essenciais que tornam esta Arquitectura um exemplo de Cenografia. Mais uma vez, a grandiosidade dos espaços e os materiais são importantes elementos de análise mas, desta vez, verifica-se também a utilização da luz como forma de impressionar, conjugada com uma importante paleta de cores. O último caso prova que a Arquitectura como cenário não se limita a exemplos onde se pretende criar uma realidade magnífica. Este estudo desperta ainda Nos Palcos da Arquitectura 84 o sentido da questão “o que é Arquitectura” pois, de uma perspectiva restrita as intervenções apresentadas não passam de meras instalações de design. Quanto ao estudo da Cenografia, dita de espectáculo, o exemplo escolhido representa a Arquitectura de um gueto da cidade de Nova Iorque no final dos anos 50. A palavra representa aplicada na frase anterior poderá ter vários significados. Na verdade, o facto de representar uma Arquitectura previamente existente não significa que essa representação não seja também Arquitectura. De facto, quando analisada ao pormenor, verifica-se que os espaços criados (criação de espaço pode ser sinónimo de Arquitectura) constituem réplicas da realidade mas, a sua função é exactamente essa: sugerir uma realidade, simular uma realidade que é interpretada pelo público como verdadeira. Então, aqui estaríamos perante um caso onde a Cenografia é Arquitectura. Os exemplos estudados apenas se debruçam sobre a Arquitectura que utiliza artifícios para se tornar em muito mais do que mera construção, enquanto o exemplo de Cenografia reproduz um tipo de Arquitectura específico. Assim, esta dissertação, mais do que proporcionar conclusões objectivas sobre os assuntos estudados, pretende servir como ponto de partida para a exploração de um tema que se verificou vastíssimo e possível de tomar variados caminhos, abrindo portas para que, como arquitectos, possamos recorrer à Cenografia e utilizando-a em proveito de obras arquitectónicas. Nos Palcos da Arquitectura 85 Bibliografia Livros: ARNHEIM, Rudolf, La forma visual de la arquitectura, Gustavo Gili, Barcelona, 2001; ISBN: 8-252-1827-6; BAEZA, Alberto, A ideia construída, Caleidoscópio, Casal de Cambra, 2008, ISBN: 972-8801-22-X; BARRAGAN, Luis, Complete Works, Thames and Hudson, Londres, 1996, ISBN 050027889X; BOEHM, Gero von, Conversations with I.M. 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