Afonso, Rosa Marina Lopes Brás MartinsFazendeiro, Marta ProençaMendes, Joelma Benvinda Pinheiro2023-02-102023-02-102022-04-062022-02-28http://hdl.handle.net/10400.6/12848Purpose. The author, as a former carer and a medical student, aimed to explore the way care impacts the lives of individuals that depend on others. To portray the topic a care-dependent individual with a spinal cord injury presented her observations of the care she receives which allows her to live an autonomous life. Building on the patient’s experience it was possible to identify several aspects of the care and of the carers that could be improved to achieve a safe and pertinent care. In addition, some suggestions were made to the medical community to further the discussion of this topic. Method. An interview was done to evaluate this issue qualitatively based on a patient’s personal experience; the interview script was designed by the author. Results. The patient exposed her perspective on the care she receives, portrayed the carers that help her currently and suggested how their role could be improved. Additionally, the patient shared how this care impacts her life. Conclusion. Although this case study is based on one person’s experience, the information detailed in this paper may stimulate further discussion and research by the scientific and medical community. Thus, it is possible to increase the knowledge on the topic, to provide appropriate resources and ensure a quality focused care that contributes to the biopsychological health of dependent individuals.Enquadramento. A saúde é uma das valências da vida de um indivíduo que nem sempre é garantida, uma vez que pode ser fragilizada de forma temporária ou até permanentemente, devido a inúmeros incidentes [1,2]. Em algumas situações, essas mudanças no estado de saúde podem ser extremamente graves, a ponto de fazer com que os indivíduos que as enfrentam, precisem de apoio extra para desempenhar as suas funções [2,3], que outrora realizavam autonomamente. Neste sentido, importa classificar a dependência funcional, que tem como definição a incapacidade de realizar as funcionalidades físicas e/ou mentais que são necessárias para ter uma vida independente e autónoma [4-7]. Assim, se um individuo perde a sua dependência, pode precisar do apoio de outras pessoas para conseguir manter sua funcionalidade [4]. A pessoa que presta este apoio é designada de cuidador, e o mesmo pode ser uma pessoa da família da pessoa a quem se destinam os cuidados, ou ser alguém da sociedade, que não tem qualquer laço afetivo com o mesmo, e, que prestam serviços a um indivíduo de qualquer idade, em necessidade de assistência [8,9]. Objetivo. A autora, como ex-cuidadora formal de pacientes com lesões medulares, mas também como estudante de medicina, teve como objetivo explorar a forma como a receção de cuidados impacta a vida de indivíduos que dependem de outros. Para melhor retratar o tema, foi apresentada a perspetiva de uma paciente com incapacidade física, originada como consequência de uma lesão medular, sobre os cuidados que recebe atualmente e que lhe permitem viver uma vida autónoma. A partir da sua experiência, foi possível identificar diversos aspetos concretos, quer do cuidado quer dos cuidadores, que poderão vir a ser melhorados de forma a alcançar um cuidado seguro e adaptado às necessidades dos seus destinatários. Além disso, foram enumeradas algumas sugestões pertinentes para a comunidade médica, de forma a aprofundar a discussão deste tema. Métodos. Foi realizada uma entrevista via zoom, para avaliar qualitativamente este tema, com base na experiência pessoal da paciente. Foi ainda estabelecido o grau de dependência da paciente através da aplicação da escala de Barthel, além de terem sido averiguadas as circunstâncias que levaram à sua incapacidade. Posteriormente, foram caracterizados os cuidados recebidos no presente, bem como as fragilidades e potencialidades dos mesmos. O guião da entrevista foi elaborado pela autora, e o mesmo está disponível no anexo A, seguido da escala de Barthel no anexo B. Resultados. De forma a assegurar a privacidade da paciente, esta será identificada como Jane (nome fictício), ao longo de todo o estudo. Jane é uma paciente do sexo feminino, de 34 anos, nascida em fevereiro de 1987, com um bacharelado. Jane é solteira, mora com os pais e de momento está desempregada. Atualmente, Jane tem 85% de incapacidade funcional e pontua 30/100 na escala de Barthel, sendo que esta classificação está enquadrada num nível de dependência elevada. No entanto, mesmo sendo portadora de dores neuropáticas crónicas que a limitam, Jane relata que desenvolveu diversas habilidades como as referidas pela própria: “consigo pintar as unhas sozinha, e faço-o bem, lavar a louça da minha cadela em espaços adaptados, varrer e tirar o pó, usar aparelhos eletrónicos, entre outras”. Assim, é possível constatar que apesar da Jane ser uma jovem autónoma, ela é dependente e, portanto, necessita de assistência em diversas atividades de vida diária. Essa assistência pode ser necessária para a realização de tarefas simples tais como vestir-se, hidratar a pele, fazer a higiene pessoal, preparar refeições, fazer transferências ou para a administração de medicamentos. No entanto, os seus cuidados também requerem habilidades clínicas, como por exemplo, para auxiliar no treino intestinal e na algaliação intermitente. Por tudo isto, torna-se imprescindível a presença de um terceiro elemento, o cuidador. No caso da Jane, esta assistência é necessária para atividades que se desenrolam de uma forma não previsível no tempo, e por isso, a presença de um cuidador tem de ser permanente. Atualmente, Jane tem duas cuidadoras formais que trabalham em turnos de 8 horas, além de ter também como complemento, a assistência da sua mãe, como cuidadora informal, de forma a auxiliá-la nas restantes horas do dia. Tendo ambas as formas de assistência pessoal, formal e informal, a Jane tem uma perspetiva particular do tema em foco, e está numa posição que permite fazer uma comparação entre os dois tipos de cuidados, sendo, portanto, capaz de salientar as vantagens e desvantagens de cada uma das assistências. Existem, no entanto, duas áreas essenciais dos cuidados recebidos pela Jane, que a mesma identifica como muito díspares na assistência provida pela cuidadora formal em contraste com a provida pela cuidadora informal. Estas áreas são a da segurança na prestação de cuidados clínicos e a da preservação da autonomia da Jane durante a administração dos cuidados: Jane afirma que com a sua assistência formal “não me sinto completamente segura e protegida relativamente aos aspetos clínicos dos meus cuidados, como quando se trata da algaliação, devido à falta de formação e preparação adequada destes profissionais em Portugal”. Essa insegurança sentida pela Jane é ainda mais potencializada pelo relato do próprio cuidador formal, quanto à falta de confiança e conforto para realizar essas tarefas. Em contrapartida, a cuidadora informal proporciona segurança e tranquilidade ao realizar as tarefas clínicas, já que esta possui uma prática contínua ao longo destes vinte anos desde que ocorreu o acidente, além de ter a intimidade expectável e subjacente a uma relação entre mãe e filha. No entanto, o poder desse vínculo familiar e a natural informalidade do mesmo, criam um problema diferente na prestação de cuidados. Isto porque, apesar da mãe de Jane ser a sua cuidadora informal, ela executa os cuidados com uma postura mais relacionada com o papel de mãe do que propriamente como o de assistente. Consequentemente, Jane reporta perder alguma autonomia, uma vez que a maioria dos cuidados é fornecida de uma forma “a mãe é que sabe”, “a mãe sabe fazer melhor”. Além disso, Jane menciona que essa imposição gera nela um sentimento de desconsideração dos seus desejos e necessidades, desencadeando alguns desentendimentos e fazendo com que ela sinta que as suas vontades são ignoradas. Tudo isto contrasta com o serviço prestado pela assistente formal, pois neste domínio a Jane sublinha que “a cuidadora formal oferece-me uma maior liberdade, pois permite-me fazer quantos pedidos quiser, dentro do razoável claro!”. Contudo, Jane salienta que ter assistência pessoal, seja esta formal ou informal, é algo vital pois é o que lhe permite ter uma vida o mais autónoma possível. Mais ainda, Jane afirma que ter um cuidador é algo que melhora a sua qualidade de vida. Uma vez que ambas as cuidadoras ajudam a Jane durante o dia, é necessário que ela faça a mediação entre ambas as partes, ajudando a equilibrar as suas personalidades, emoções e os seus papéis, ao mesmo tempo que precisa de manter uma postura assertiva o suficiente para assegurar a manutenção da sua própria autonomia em meio a essa jornada. Além disso, Jane relata que, como uma pessoa dependente e destinatária de cuidados, há sempre alguma incerteza em relação ao futuro, considerando que a assistência através do cuidador formal pode vir a não estar disponível a longo prazo – seja por motivos pessoais do próprio cuidador ou por incapacidade financeira da Jane ou qualquer outro fator externo que a obrigaria a reiniciar o processo com alguém novo. Da mesma forma, a saúde de sua mãe e o seu expectável e inevitável envelhecimento, também podem impedir que esta esteja disponível para continuar a prestar os mesmos cuidados a Jane. Se essa situação se verificar, dada a inexistência de alguém que possa assumir o papel de cuidador informal, pode existir a necessidade de colocar a Jane em um lar ou em outra instituição de saúde, de forma a garantir que os cuidados que necessita continuem a ser prestados. Discussão. Este estudo, ao explorar a experiência da Jane, pretendeu compreender o impacto de receber cuidados quando se possui uma incapacidade física que implica dependência. Ao longo da entrevista, surgiram alguns tópicos pertinentes que merecem maior atenção por parte da comunidade médica. Fundamentalmente, a Jane elucidou ao longo da entrevista, como a possibilidade de ter um cuidador é importante, e como esta afeta a forma de viver de uma pessoa que é dependente fisicamente. Dos cuidadores que detém atualmente, Jane afirmou que a cuidadora informal agrega algo de muito valor, que vai além do cuidado, que é a sensação de segurança e tranquilidade, o que por sua vez facilita o cuidado em si, nas suas várias vertentes. Mas, para que possa usufruir desta assistência, é necessário um esforço e comprometimento da parte da sua mãe, pois tal cuidado implica que a mesma tenha de estar presente quer de dia quer de noite, o que pode levar a um desgaste, tanto a nível físico como psicológico [27,29], ao qual se associa uma sobrecarga muito característica daqueles que são cuidadores informais [32-34]. Deste modo, fica implícita a necessidade de avaliar constantemente o bem-estar físico e mental do cuidador informal, sendo que tal pode ser realizado ao recorrer a escalas de avaliação de sobrecarga, de ansiedade e de depressão [52-57], além da avaliação frequente por meio de consultas médicas de rotina. Esta avaliação tem como objetivo prevenir e tratar não só o burnout mas também outras doenças que podem acometer o cuidador, e que são passíveis de ser prevenidas. Além disso, há a necessidade de estabelecer um plano de cuidados alternativo com a pessoa à qual se destinam os cuidados, para garantir que ela seja cuidada sempre de acordo com a sua vontade, no caso da sua cuidadora informal não se encontrar disponível, antecipando-se assim a um dos medos e anseios reportados por Jane. Por outro lado, Jane determinou que a assistência da sua cuidadora formal é também essencial para o seu cuidado, principalmente para fornecer um cuidado que respeita todas as dimensões da sua vontade, permitindo-lhe assim, manter a sua autonomia. No entanto, ela também afirma que os assistentes formais, pelo menos aqueles com quem teve a oportunidade de trabalhar, demonstram a falta de uma formação aprofundada e diversificada, para que possam prestar cuidados que contemplem as necessidades específicas de cada indivíduo fisicamente dependente. Este facto tende a suscitar ainda mais preocupação e ansiedade no indivíduo recetor de cuidados, exacerbando a sua perceção de falta de controlo sobre a assistência recebida [48,49]. Assim, seria deveras importante investir na formação clínica e na preparação multifacetada de cada cuidador, formal e até mesmo do informal, para garantir que os melhores cuidados são prestados a todos os pacientes. Mais ainda, outras habilidades tais como as capacidades de comunicação e de relacionamento interpessoal, também devem ser um dos focos de aprimoramento, tentando assim apaziguar e proteger quem recebe o cuidado, além de contribuir para a diminuição da sensação de vulnerabilidade que possa ser por eles experienciada. Não obstante, é importante reiterar que a pessoa que recebe os cuidados, deve ser constantemente consultada, de forma a avaliar as suas necessidades físicas e mentais, e também para entender se esta está adaptada aos seus cuidadores. Desta forma, o objetivo é o de tentar garantir que a sua autonomia esteja protegida, permitindo que cada indivíduo mantenha sempre o controlo sobre os cuidados recebidos e, consequentemente, diminuindo a ansiedade associada a todo o processo que vivenciam diariamente [48]. Constatamos, no decorrer da entrevista que a Jane enfatiza este tópico ao dizer “As pessoas com deficiência precisam ser ouvidas!”, portanto, é necessário que exista mais pesquisa para criar guiões que sirvam como bases de entrevista, escalas ou outras ferramentas de avaliação que proporcionem uma compreensão do processo pelo qual passa alguém que é recetor de cuidados, e que evitem uma inflição de stresse, de ansiedade ou do medo de não serem capazes de viver uma vida plena. Para além do supracitado, há ainda a necessidade de consciencializar a comunidade médica e social sobre o ponto de vista, e sobre a realidade vivida pelo paciente. Talvez, esta consciencialização passe por formar ou simplesmente orientar a comunidade de saúde, como médicos, enfermeiros, auxiliares de saúde, estudantes de medicina, entre outros, de forma a estarem mais atentos aos sinais não verbais de cada paciente, e até mesmo por incentivá-los a desenvolver uma escuta ativa para aqueles que recebem cuidados. Mais ainda, é importante instaurar um espírito crítico e fazer com que todos especulem como é que um paciente lida com um cuidador sobrecarregado, e se essa sobrecarga afeta diretamente os cuidados recebidos, uma vez que depende em tudo, da capacidade de auxiliar do seu cuidador. É importante também, questionar-se e tentar entender como é que tal facto afeta o recetor de cuidados, e o que aconteceria com a sua assistência, no caso de o seu cuidador deixar de estar disponível para a realizar. Desta forma, e como possível solução para essa indisponibilidade, surge a necessidade de serem criadas mais opções, tais como, centros de saúde, lares ou outras instituições de suporte, especializados neste tipo de cuidados, para que possam funcionar como uma rede de segurança para aqueles que estão temporariamente sem os seus cuidadores pessoais. Adicionalmente, pode ser útil a criação de equipas multidisciplinares com médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e inúmeros outros profissionais, que prestem cuidados de urgência, de auxílio ao domicílio e que desenvolvam programas de vigilância adequados aos indivíduos com dependência. Em adição a tais serviços, seria importante fornecer a todos estes, um acompanhamento constante e adequado, tal como já é prática comum no que toca a outras doenças crónicas, que têm grande impacto na qualidade de vida dos indivíduos portadores das mesmas. Conclusão. Em suma, dado o impacto que um cuidador tem na vida de uma pessoa dependente, é necessário assegurar que o mesmo, seja ele formal ou informal, esteja sempre capaz e disponível de acordo com as necessidades do indivíduo recetor de cuidados. Nesse sentido, deve-se avaliar o bem-estar de ambos os cuidadores, para tentar prevenir o burnout ou até mesmo, outras doenças evitáveis que possam comprometer a sua capacidade de cuidar do indivíduo dependente. Além disso, deve ser fornecido treinamento específico e personalizado a ambos os cuidadores, de forma a garantir que os cuidados sejam prestados com qualidade e com a segurança necessárias. No entanto, é também de extrema importância avaliar constantemente a saúde física e mental do indivíduo dependente, qual a necessidade dos cuidados recebidos e em que extensão, e acima de tudo, garantir que a sua autonomia é sempre priorizada e preservada. Portanto, no que toca a perspetivas futuras deste estudo, existe a vontade de continuar a desenvolver este tema, e talvez até contribuir para a criação de escalas e outros instrumentos pertinentes, que permitam avaliar os indivíduos com dependência de uma forma uniforme, para que então se possam aplicar esses instrumentos a todos os utentes que necessitam de cuidados nas mais diversas áreas clínicas, otimizando o cuidado de todos, de forma global e equitativa. Por fim, e embora se reconheça que este caso de estudo seja baseado na experiência de um único indivíduo, tendo por isso as suas particularidades e limitações, estimase que as informações detalhadas no mesmo possam promover mais discussões e pesquisas, por parte da comunidade médica e científica. Desta forma, será possível expandir o conhecimento, aumentar os recursos disponíveis e focar os esforços na prestação de cuidados, que são direcionados a indivíduos dependentes, com qualidade, e de forma a garantir o seu bem-estar biopsicológico.engAutonomiaCaso de EstudoCuidador FormalCuidador InformalCuidados de SaúdeDependênciaIncapacidadeThe impact of receiving formal and informal care on biopsychological health Case studymaster thesis203182936